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Em frente aos banheiros acende um cigarro e passa o isqueiro para o amigo.
 — Eu não sei o que eu faria nessa situação disse o amigo devolvendo o isqueiro vermelho.

— Cara, eu preciso parar de pensar nela. — Estava cada dia mais afogado no que sentia. Era um maço após outro, um cigarro após outro. Soprava a vida na esperança de que isso tudo se acabasse logo. Perdia o caminho de casa, perdia o controle da vida, perdia as horas pensando como seria a vida ao lado dela. Pensando em coisas impossíveis, síndrome de impostor e lo fi hip hop.

— Ah, quem me dera ter essa sua alto estima. — Respondeu para o amigo que nem sabia o que responder. Estava tão dividido que se morresse naquele momento teriam um trabalhão imenso para lhe enterrar. Uma parte sua devia de estar no Japão enquanto a outra tentava não ter vivido em vão pelas ruas do capão. Aquele redondo. Trago vai trago vem.

— Sabe cara, eu largaria tudo para ficar com ela, você não tem ideia disso. E ao mesmo tempo não tenho a mínima ideia do que eu faria se por acaso ela aparecesse aqui agora. Foi mal ter que te contar isso tudo. Você deve me achar gado d+.

— Relaxa, bro. Todo mundo passa por um isso uma hora. A boa noticia é que passa. Tudo passa menos a uva passa.

— Tudo que eu escrevo é pensando nela. Ela vai achar que eu sou psicopata se soubesse o quanto de coisa já escrevi pensando naquele sorriso branco. Sem maldade nem punheta. Apenas feeling.

— Ela é tua musa cara. — Disse o amigo sorrindo enquanto fumava e olhava para o horizonte. Tirou um papel do bolso de trás da calça jeans e entregou ao amigo:

Existe um muro de Berlim dentro de mim. Que se quebra toda vez que lembro da realidade vazia e triste que é não ter você. Meloso como um chocolate ao sol, eu quero tudo que não posso ter. Porque? Porque? Porque? Esse muro vai desabando toda vez que tenho certeza do impostor que sou, falso escritor, um sujo. A verdade é que eu tento escrever sempre o contrario na esperança de que o universo leve meu amor ate você e mude a realidade num piscar de olhos. Dentro de mim alguns jarros cheios de sonhos estão ficando velhos e fracos. E começando a achar que certas coisas são impossíveis. Ao mesmo tempo que esse muro vai desabando também vai abrindo a visão do que existe ao meu redor. Também sei que me destruir talvez seja a única forma de chegar perto de você. Me destruo escrevendo. Me destruo fumando, me destruo pensando, me destruo a cada metro cúbico de oxigeno que entra nos meus pulmões. A cada metáfora ruim e sem graça que saem agora pelas minhas mãos. Já que meus dedos não podem teclar outra coisa. Eu te amo tanto *******.

— Isso é forte, cara. Você podia entrar nesses concursos de escrita. — Disse o amigo depois de ler o manuscrito.

— Acho que não. Isso não é o tipo de coisa que vende. — Na verdade teria até vergonha de publicar uma porra dessas. Era tão indissociável das coisas que escrevia que temia que todos notassem o óbvio. Notassem o que as metáforas não conseguiam esconder. Era um vidro escrevendo e todos viam através dele uma marca de batom vermelho e um céu azul com nuvens brancas se arrastando e descobrindo o sol tímido que se esconde na enunciação mas que se abre para secar as roupas dela no varal.

— Vamo que já é hora. — Disse o amigo jogando a bituca de cigarro longe depois do último trago. — Já pensou se a fulana ouviu nossa conversa toda. hahah

— Nunca pensei mais acho que nunca mais apareceria aqui. — Colocou a carta no bolso de trás. E saíram conversando.

Do banheiro feminino sai ******* e pega a carta do chão.

lo-fi.txtWhere stories live. Discover now