Imorto (capítulo único)

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Merda, acordei com vida e saúde de novo.

Mais um dia em que a triste sombra da vida me persegue.

Que pobre existência a minha, porque eu?

De tantas almas almejantes da vida disponíveis para receber esse fardo, porque eu tive que recebê-lo?

De início foi bom, quando percebi o que aconteceu comigo, quando a dor passou, quando as doenças se curaram, a fome e a sede cessaram.

Mas agora fazem muitos outonos, mais do que posso contar, mais do que posso lembrar.

Eu não lembro nem do meu nome, nem do que eu era ou do que fazia.

Imorto, esse é o meu nome. Não posso morrer, mas ao mesmo tempo, não posso viver.

A dor física me deixou, mas a dor no coração é constante.

Não lembro do rosto dos meus filhos, mas lembro de tê-los enterrado.

Não lembro do nome dos meus netos, mas lembro de vê-los deixando essa existência e partindo para o pleno entendimento.

Malditos sortudos.

Nenhum prazer me resta, nenhuma felicidade me cerca, só me resta existir.

Dia após dia, século após século, um de cada vez.

Não sinto fome, não como, e nem consigo.

Não sinto sede, não bebo, e nem sinto falta.

Uma vida sem propósito não é uma vida, estou morto, mas não estou.

Todos que eu conhecia morreram, quem sobrou?

Eu, apenas eu.

E qual o meu propósito?

Porque eu existo?

Minha longa e sofrida existência servirá para algo?

Ou servirá apenas para me fazer almejar cada vez mais o sonho impossível de se fechar os olhos...

E nunca mais abri-los?

Fim

Imorto | CONTOWhere stories live. Discover now