Por onde começar? Seu habitat era repleto de opções, e ela precisava escolher os ingredientes corretos. Não poderia falhar. Não, não. Circulou com seu grande corpanzil entre as árvores e arbustos. A maioria estava carregada de frutos. Ela cuidava com zelo de seu pomar. Mas quais eram propícios à magia do encantamento? Pensou...
A cereja pareceu-lhe, a princípio, uma boa opção para lançar em seu caldeirão. Alguma relação possuía com o amor, não se lembrava qual. Apressada, apanhou do pé um punhado. Antes de incrementar o grosso caldo já a fervilhar ao centro do horto, foi consultar seu oráculo. Por meio de sua cornucópia, um vaso de barro alocado sobre uma coluna, diariamente incrementado por folhas, flores e frutos como oferenda, Pomona descobriu que a cereja era a fruta da sensualidade. Então não era o caçador que dela provaria, e sim ela. Não poderia falhar. Nem pensar!
A Cuca sabia que a maioria dos homens não simpatizavam com sua exótica beleza. Lamentava. Ela era tão mais bela que as de sua espécie... As madeixas, na tonalidade verde, eram diariamente hidratadas à base de vinagre de maçã ou babosa. A pele... Bem, era um conceito diferente de pele: possuía escamas grossas, semelhante aos répteis, mas igualmente cuidadas. Sabia que a manga e o mamão auxiliavam na maciez, mas para o seu corpo, mais seco, fundamental o abacate.
Como o caçador não apreciaria, se ela era tão vaidosa? A extensa boca, repleta de dentes, seria disfarçada com o pigmento vermelho de urucum sobre os lábios. Já a cauda... O caçador não repararia na cauda. Não teria tempo. Estaria enfeitiçado.
Ao sinal do luar, Pomona despertou do descanso vespertino. Sabia que o caçador vagava pela floresta à noite. Não poderia falhar. Definitivamente, não! Disposta a separar um frasco da poção preparada, acorreu-se ao caldeirão. Sua carcaça escamosa, no entanto, só não arrepiou por ser grossa demais. A poção era para ser líquida... quase um vapor. Ao mexer o caldo com o dedo em formato de garra, notou a textura consistente, o odor adocicado. Levou a geleia à boca, lambuzando os beiços. Deliciosa! Se falhara, ainda não sabia. Tentaria encantar o amado caçador pelo estômago.
