Consequências, parte 2

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Afonso evitou Catarina por boa parte da viagem, foram dias sem falar com a esposa. Ele estava com raiva, claro, mas a verdade é que também estava envergonhado por ter ameaçado a rainha de uma forma tão vil, ele não tinha o direito de tomar nada dela, mesmo que o papel dissesse que sim, seus valores não permitiriam, seu amor por Catarina não permitiria. Além disso, ele estava abismado pelo fato de que, pela primeira vez em um quase um ano juntos, ele havia visto Catarina chorar. Desde aquele momento ele queria ir até ela e pedir desculpas, dizer que sentia muito, que não quis falar aquilo, mas conhecia a rainha bem o suficiente para saber que ela não acreditaria na ideia de que algo foi dito da boca pra fora. Além disso, um pedido de desculpas não resolveria.

O desejo de afastamento parecia mútuo, Catarina passou a maior parte do tempo na carruagem, nas pausas necessárias ela se mantinha afastada com sua guarda pessoal e Lucíola, mas mesmo de longe Afonso podia ver o quanto ela estava abatida. No penúltimo dia de viagem uma chuva gigante os atingiu e eles não puderam montar um acampamento decente, as tendas não suportariam o vento e Catarina não podia ficar a noite toda sentada em sua carruagem. Afonso optou então por uma estalagem. Ele foi até a carruagem de Catarina e bateu na porta antes de entrar e pediu para que Lucíola se retirasse.

-Os soldados vão ficar aqui, mas temos um quarto na estalagem mais próxima. - Pegue uma capa, deixe suas joias, é importante que não sejamos reconhecidos, não sabemos o que vamos enfrentar no conselho. Temos que seguir a cavalo porque as estradas não permitem a passagem da carruagem.

-Eu não quero ir. - Catarina disse encarando-o.

-Catarina, eu sei que você está irritada, mas amanhã cedo tudo isso ao seu redor será lama. Não podemos seguir viagem com esse tempo e você não pode dormir sentada aqui. - Ele disse tentando argumentar, mas a esposa parecia pouco inclinada aceitar.

-Eu não quero ficar trancada em um quarto de estalagem com você. Por sinal, eu adoraria se vossa majestade pudesse deixar essa carruagem e chamar minha dama de companhia de volta. Está chovendo, ela não deveria ficar lá fora nesse tempo.

-Catarina, eu preciso que você uma só vez, faça algo que eu estou pedindo.

-Engraçado você pedir, achei que iria me jogar em seu ombro e me arrastar daqui como a propriedade que sou. Me diga, Afonso, eu ainda posso dizer não ou não faz diferença.

-Por favor. - Ele pediu respirando fundo. Catarina sabia exatamente onde acertar para fazer o marido sair do sério. E ele estava prestes a desistir quando ela pegou a capa jogada no banco da carruagem e uma manta grossa.

-Espero que eles tenham água suficientemente decente para um banho. - Ela avisou.

Algo dentro de Afonso o fez sorrir, foi tão inesperado que ele nem teve tempo de tentar conter. Catarina, no entanto, não percebeu. Eles cavalgaram em silêncio e quando chegaram à estalagem ele pagou algumas moedas extras por uma refeição e um pouco de água quente para o banho de Catarina e para que cuidassem do cavalo que havia levado. Ele avaliou o local rapidamente, fora algumas pessoas bêbadas gritando, o local parecia quase decente. Ele subiu as escadas atrás de Catarina, enquanto a mulher que os atendeu guiava o caminho com uma vela, estava escuro o bastante para que ela não tivesse notado as feições finas de Catarina e as vestes nobres embaixo da pesada manta que a protegia da chuva. Ele agradeceu a mulher quando ela desceu e deu mais algumas moedas esperando que o gesto não chamasse muita atenção, mas que garantisse algum sossego.

Apesar de apenas iluminado pela lua cheia do lado de fora, dava para ver que o quarto era simples e lembrava a Afonso da casa de Amália, um pensamento que ele não podia compartilhar com Catarina sem começar uma guerra. Ele recomendou que a esposa continuasse enrolada até que a mulher trouxesse a água quente para a tina de banho. Enquanto isso, Afonso acendeu as velas o que permitiu que eles pudessem circular com maior facilidade. Depois que água chegou Catarina começou a se banhar de forma desastrosa o que fez Afonso rir. Era óbvio que a rainha de Montemor e Artena nunca tinha tomado um banho de tina sem ter a água jogada em seu corpo, o sabão passado cuidadosamente em sua pele.

Uma união políticaWhere stories live. Discover now