Início de carreira

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Depois de uma madrugada de insônia e com dor de cabeça por causa do porre da noite anterior, acordei com vontade de fazer algo extremamente perigoso. Mas perigoso mesmo. O problema é que eu sempre fui muito bundão. Meu passatempo preferido na infância era dar susto nos outros, mas em dado momento fiquei com medo de causar um piripaque em alguém. Estava eu em uma fase ruim da vida, tinha levado um chifre da namorada (ex) e tava me sentindo humilhado. Ainda por cima havia decidido que fazia sentido pedir desculpas pra ela por qualquer coisa que eu tivesse feito de errado e pedido uma nova chance pra nós dois. Otário.

Então fiquei pensando no que eu poderia fazer. Foi quando li uma matéria no jornal de um sargento que transportou 39kg de cocaína no avião presidencial. Cara, 39kg. A princípio eu achei que nem era tanta coisa assim, mas fiquei imaginando o cara levando na surdina, 39 sacos de 1kg de arroz. Bicho... Puta trampo! 39 sacos de arroz, escondido.. Colocar e depois tirar tudo! Cê tá doido! Foi aí que me imaginei no aeroporto tentando traficar 1 saco de arroz. Puta rolê tentar isso. Baita ideia de retardado. Mas eu tava puto e desanimado e só queria fazer algo idiota e sentir um pouco de emoção mesmo. Talvez inconscientemente, um pouco da emoção que a ex sentiu ao ir pra cama com outro cara. Então meti o louco: Peguei uma mala qualquer, joguei um monte de roupas aleatórias, assentei um saco de um quilo de arroz e foda-se. Fechei bem fechado, chequei a bateria da cadeira de rodas e fui pro aeroporto do jeito que eu tava mesmo, cheirando feito corno e com a cara toda inchada.

Chegando lá, no guichê eu perguntei pra moça, olhando pra todos os lados com cara de assustado como um traficante amador:

— Passagem pra qualquer lugar longe daqui, a mais barata, por favor. — o paranoico bandidão pedindo "por favor", vai entender.

— Ok, senhor, os próximos voos que temos é um pra Osaka, no Japão, outro para Sevilha, na Espanha e um que vai pro município de Afonso Cláudio no Espírito Santo. Pensei na conta do cartão de crédito e decidi que não ia dar esse gosto pro universo que estava empenhado em me foder e peguei a passagem pra Espírito Santo mesmo.

— Afonso Cláudio, moça. — respondi imponente.

— Ok, senhor. — Vai despachar bagagem, senhor?

— NÃO, VAI COMIGO! — respondi abraçando a mala com minhas cuecas e 1kg de arroz.

— Mas senhor, essa mala é grande, precisa ir despachada.

— MEU DEUS! — disse colocando as mãos na cabeça de uma maneira desengonçada. 

— Tá tudo bem, senhor? — Bem não tá. Mas pode despachar, moça. — respondi tentando me acalmar mas com as mãos tremendo pela adrenalina.

Efetuada toda a lenga lenga da compra e vendo minha mercadoria indo embora pela esteira, suei frio. A moça me entregou o bilhete, o identificador da bagagem e adesivou a cadeira de rodas para o despacho quando eu estivesse já na poltrona do avião.

Já na sala de embarque, 10 minutos mais tarde, dois policiais federais, um rapaz mais novo vestido comportadamente e uma mulher vestida feito "executiva importante dona da porra toda" se aproximaram de mim. Vi o mundo girar e dei graças por não ter comido nada desde o dia anterior. 

— Senhor, sou a chefe de segurança do aeroporto, poderia por favor nos acompanhar?

— Aconteceu alguma coisa, senhora?

— Não, está tudo bem, apenas gostaríamos de fazer umas perguntas sobre a sua bagagem, senhor.

Se pra ganhar um Oscar o ator precisa entrar no personagem, vocês precisam me dar o crédito; eu estava em pânico.

— Ca..claro, moça. Pode ir na frente que eu acompanho!

No momento em que os quatro viraram de costas para mim — ousados, filhos da puta — não tinha catador de galinha que me pegasse. Nos meus 6,5km/h sai correndo como um assaltante de banco. Atropelei pés alheios, criança largada no piso frio daquela manhã quente, bengala de cego e até uma pomba desavisada.

Seis meses e mais de 1.000km rodados se passaram desde aquele evento. Finalmente cheguei em Afonso Cláudio. É hora de recuperar o que é meu.



Crônicas do crimeWhere stories live. Discover now