23 Eu consigo ver

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Alicia

Subi com ele na moto, me agarrando firme em sua cintura, e apertando meu rosto em suas costas para me livrar do vento.

Havia tanto a ser perguntado, tanto que eu queria saber sobre ele. Mas sabia que teria que ir com calma, até mesmo deixar que ele me perguntasse coisas também. O gesto de me levar para o campo, e agora se oferecer para me levar para procurar roupas.

Não sabia o que havia acontecido com ele no tempo em que eu estava com guardião, ele também não me perguntou o que acontecera lá. Não por desinteresse, mas talvez por achar que o fato de eu não ter sido ferida, fosse o único que importava.

Não podia negar que estava maravilhada com a forma como ele conduzia o treinamento. Como não distinguia nenhum deles, como tratava cada um como um igual. Como ensinava-os a dura realidade de um campo de batalha. Eu conseguia entender, por que vivi em um. Vi pessoas morrendo, e vi pessoas sendo deixadas para trás, assim como eu fui.

Abri os olhos, vendo o caminho pelo qual passávamos, eu nunca tinha estado em parte alguma da vila desde que havia chegado. E me espantei com o tamanho. As partes militares que eu conhecia eram pequenas, compactas, mas a cidade ao centro era espaçosa e não perdia nada para uma cidade comum do interior de meu país. Os muros nem importavam tanto, estando tão longe deles.

Ele estacionou em uma rua cheia de pequenas portas de comércio, avaliando as faixas escritas a mão em português, espanhol e algumas em inglês.

⸻ Não precisamos de dinheiro? ⸻ perguntei confusa.

⸻ Eu não. ⸻ ele sorriu de lado, com a presunção que era só dele. ⸻ Consegue ler aquela placa? ⸻ ele apontou para a única escrita somente em uma língua.

⸻ Elusen newydd-ddyfodiaid ⸻ falei engasgando, mas tinha certeza que com a pronúncia errada. ⸻ Isso não é inglês, é?

Ele riu ⸻ Não, é Galês, significa Caridade aos recém-chegados, descobri esse lugar quando frequentava o centro. Mas só atendem um povo específico, alguns ainda tem um grande instinto de preservação. Não fale nada, eu cuido disso.

O segui de perto, parando na entrada do lugar, quando ele fez um gesto para que eu esperasse.  E assisti a graça e a beleza de vê-lo falar em seu próprio idioma, estando a vontade e tranquilo, sorrir e brincar com a senhorinha grisalha, muito branca e de olhos claros. Ela não pareceu gostar muito de mim, me olhou com um semblante fechado e rude, mas depois de uma explicação que não entendi, ela fez um gesto com as mãos, me chamando para entrar. Perguntou algo a ele, que me olhou e pareceu não saber a resposta. A mulher então avançou em mim, colocando as mãos em minha cintura, e só então, percebi que ela me media usando os dedos, e logo depois, caminhou arrastando os pés por um corredor escuro, e desapareceu.

⸻ O que disse a ela?

Ele ergueu uma sobrancelha ⸻ Que a salvei, e vou te usar para afazeres domésticos. ⸻  riu ele ⸻ Prometi não tocá-la. E ela disse que tem moças brancas muito mais carnudas que você na vila.

Cerrei os olhos, imaginando se era mesmo verdade, ou se ele estava apenas tentando me provocar.

⸻ Que coisa horrível. ⸻ lamentei, mesmo em dúvida se era verdade.

⸻ Como lhe disse, algumas pessoas ainda levam muito a sério toda essa baboseira de cor de pele. ⸻ ele pegou uma mecha de meu cabelo entre os dedos ⸻ O ondulado e a cor do seu cabelo, seu tom levemente mais bronzeado... Já não é bem visto, para pessoas como Dorela.

⸻ Mas você não parece ligar para isso. ⸻ falei confiante.

⸻ Ah não... Adoro o contraste da minha pele, com peles escuras. Sempre que posso escolher, escolho morenas, com cabelos cheios de preferência.

AlgozWhere stories live. Discover now