Oceano e especiarias

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Há um barulho incessante.

Um barulho incessante e chato.

Um barulho que invade meus miolos e chacoalha meu cérebro. A sensação é acompanhada de um calor terrível no ambiente, um calor tão grande que faz a parte detrás dos meus joelhos suarem e meus cabelos prenderem no pescoço; um calor abafado que faz minha respiração não ter o ritmo que costuma ter. Remexo-me sobre o colchão minimamente, sentindo meu corpo mais pesado que o de costume e minhas pernas colarem nos lençóis de algodão. Gemo inconscientemente de dor e preguiça, erguendo o braço até a cômoda ao lado da cama com a intenção de encontrar o dono do maldito barulho.

Briiiiiiiiiing briiiiiiiiiing briiiiiiiiiiing.

Mas meu celular não está ali.

Abro os olhos abruptamente, meus dedos ainda apalpando o vazio. O barulho continua como trilha sonora de uma manhã estranha, onde eu me sinto zonza e perdida, um tanto errada também. Pisco algumas vezes para o cômodo iluminado pelo sol, minha vista aos poucos tomando forma e identificando uma fresta medíocre na cortina por onde a iluminação passa e se projeta sobre minhas roupas jogadas pelo chão do quarto. Por um curto espaço de tempo, eu tento resgatar a lembrança deu tê-las jogado ali ontem à noite, lembranças turvas e sem nexo algum.

Briiiiiiiiiing briiiiiiiiiing briiiiiiiiiiing.

Ergo-me da cama, percebendo subitamente que o barulho incessante não é de alarme algum e, sim, da própria campainha do apartamento. De maneira repentina, afasto os lençóis em volta de minhas pernas, tropeçando nos meus próprios pés nos primeiros passos da manhã e engatando uma corrida desengonçada até a sala. Paro, no entanto, na divisa de cômodos, na tentativa de me recuperar da repentina tontura. Fecho os olhos com força e logo os abro; a morada toda está submersa em uma meia luz natural, as partículas de pó sobrevoando vagarosamente os móveis e me deixando ainda mais com a sensação de algo perdido no ar.

Briiiiiiiiiing briiiiiiiiiing briiiiiiiiiiing.

Respiro fundo. A temperatura está alta por todos os cômodos, o que me deixa ainda mais irritada por ouvir outra vez o maldito barulho chato da campainha. Ignorando o que antes me fez parar, sigo até a porta e a abro de forma brusca e oca.

— Você está viva?

A voz de Jihu vem como um soco na testa antes mesmo que eu consigo gritar ofensas baixíssimas, e, então, meu rosto se contorce em uma expressão de dor em resposta imediata. Todos os milímetros de minha cabeça doem. O cheiro que vem do corredor é de produto de limpeza misturado com o perfume de minha visita indesejada e com os jasmins dos vasos postos para decoração; e isso não me ajuda em nada. Jihu tem os óculos de sol no alto da cabeça e veste tailleur lilás, além de carregar uma bolsa preta debaixo de um dos braços. Nada apropriado para uma manhã de sábado.

— Você está ruim nesse ponto? — Ela pergunta ao ver minha careta. — Tome umas três aspirinas.

— O que você está fazendo aqui uma hora dessas? — Minha voz sai rouca e falha, minha cabeça ainda doendo em cada palavra dita. — Ninguém disse que é inconveniente visitar as pessoas antes do meio dia?

— Você desapareceu! — Ela ergue as mãos no alto, escandalosa, se desfazendo dos saltos e entrando em meu apartamento sem rodeios. Cada barulho que ela faz é como uma martelada nova no meu cérebro. Fecho a porta e a acompanho lentamente com os olhos. — Tentei ligar ontem para saber como você estava e nada de você atender. Liguei hoje de manhã e nada também. Você bebeu tanto assim?

De repente, no meio de xingamentos silenciosos à sua imagem no meio de minha sala de estar, a lembrança de Kim Taehyung parado no mesmo lugar me vem à mente. Seu corpo banhado pela luz de emergência, esguio e elegante, inteiramente voltado para mim. Seus olhos cravados nos meus e uma vontade tão forte e maluca de o prender em minhas pernas que eu posso senti-las, agora mesmo, bambearem.

Clair de Lune • TaehyungUnde poveștirile trăiesc. Descoperă acum