Rochedos de Chinatsu

105 6 2
                                    

Silas oscilava a cabeça tentando encarar o manto negro que lhes abraçava. O universo sempre parecera acolhedor, mas naquele momento não conseguia contemplá-lo de volta.

— Merda! Não dá pra pilotar sabendo que esse desgraçado tá aí atrás no deck — suas mãos pressionavam o volante da espaçonave. Virou o pescoço para seu comandante. — Me deixa arrastá-lo para o compartimento de carga?

— Não podemos arriscar. É melhor Baco ficar onde nossos olhos possam vê-lo, não acha? — respondeu, Franco. Tinha de pelo menos tentar coordenar os ânimos exaltados naquela viagem.

— Acha mesmo que ele tentaria alguma coisa com a gente, chefe?

— Não é improvável. O Carcereiro disse que teve de usar a coronha do sabre nele para acalmá-lo quando o trouxe para cá.

Silas anuiu enrugando a boca.

— Olha, eu sei que ele virou uma ameba ambulante desde Callisto, mas muito me incomoda a presença dele aqui. Só estou me expressando.

Franco sentou-se na poltrona ao lado, coçava o queixo tentando compreender o que se passava com aquele que havia sido seu amigo. Óscar que estava escorado na divisória andou até o detento acorrentado e cerrou seu semblante vazio por alguns segundos.

— Ameba? — bateu com os nós dos dedos na cabeça de Baco. — Deve ser um truque pra despistar e escapar do júri por insanidade.

— É bem capaz, Óscar — Silas gritou da cabine. — Mas acho que não importa o que tente, ele não tem como escapar dessa. Assassino de merda!

Franco enrugou a testa.

— Calma, gente. Precisamos tratá-lo com dignidade pelo menos. As investigações ainda estão em andamento e não tem nenhuma prova de que foi ele. Eu tenho que lembrar vocês que nossa missão é apenas transportá-lo para a prisão da ilha? Vamos deixar que o tribunal faça seu trabalho, certo?

— Se você acha que na Terra terá um julgamento ou coisa parecida, está enganado, comandante. Eles costumam pegar leve com os malucos, mas eu não acho que irão perdoá-lo pelo que fez com a filha de Tóquio.

Franco não respondeu. Ele sabia que muito possivelmente Baco seria condenado à morte mesmo sem provas. O crime aconteceu na área não monitorada da Lua Callisto, e não havia nem como investigarem tão à fundo. A pressão pela cabeça do homicida que tirou a vida da capitã japonesa Sávia também era grande demais, e a estação não perderia tempo buscando inocentar um homem que sequer abria a boca para se defender.

— Então, Óscar — tentou mudar de assunto —, você está ansioso para desfrutar de sua aposentadoria em Rochedos?

— Sinceramente, não. Passei mais de 40 anos servindo meu planeta, ajudando a humanidade a sobreviver no espaço. Não sinto que terminei com meu trabalho. Sei que estou velho, mas tenho forças suficientes para servir por mais 40 anos se me pedirem. Eu só não gostaria de ser internado num asilo sem antes interagir com celestes.

Essa é sua missão pessoal? Que clichê! — Silas gargalhou. — Você faz jus ao nerd que é, Óscar.

— É que se eu fizesse contato com um celeste e pudesse estudar sua espécie sem ser invasivo, conhecer seu planeta, me envolver com sua cultura, talvez pudéssemos salvar a Terra de algum modo, e assim teríamos outra opção além de imigrar para a Callisto.

— Pelo que sabemos, qualquer vida fora da Terra é nociva e perigosa, — Franco apontou — aliás, não quer dizer que eu acredite, mas chegaram a cogitar que Baco topou com um...

As veias do aposentado emergiram subitamente.

— Ele não fez contato com nenhum ser alienígena, filho. — Óscar tremia como uma britadeira. — Não deixe que os alarmistas menosprezem o assassinato de Sávia dizendo que foi influência de forças celestes.

Da Terra à terraWhere stories live. Discover now