Assim
de seu
ocluso
e lânguido
casulo
expulsas o verão
- Albano Martins.
A tragédia de 15 de dezembro abalou a todos. O inverno, de repente, pareceu mais frio do que o costume. O Natal e o Ano Novo se aproximavam, mas as pessoas não possuíam vontade alguma de festejar. Ninguém mais cumprimentava desconhecidos na rua com um desejo de um bom dia e não se ouvia mais as vozes dos alunos discutindo banalidades nos corredores da escola. Não havia sentido em comemorar qualquer coisa, por mais tradicional que fosse a comemoração.
O ano de 1970 chegava ao fim da forma mais mórbida possível e arrastava a todos com ele na lastimável tristeza do luto pelas 308 vítimas.
Will Souza não sentia-se diferente das outras pessoas. Ao menos, não muito. O sentimento vertiginoso da perda também subiu-lhe pelas pontas dos dedos, atravessando os braços e fraquejando as pernas, fixando-se por fim no coração e no cérebro. A dor de cabeça vinha de forma lenta, arrastada, e logo formava uma estadia fixa nos dias após a notícia do acidente.
O rapaz não conhecia todas as vítimas. Aliás, não conseguia imaginar-se conhecendo tantas pessoas assim. Era tímido demais, quieto demais e sozinho demais para ter tantos conhecidos, quiçá amigos. Não, não conhecia todas as vítimas, mas conhecia uma única em especial que lhe causava toda essa sensação de nostalgia misturada com a perda. Nostalgia pelo pouco que teve e pelo muito que não teve a chance de vir a ser, de vingar não apenas em sua mente mas também em sua realidade.
O nome dela era Kim Yerim.
Era uma das cinco filhas do professor de Educação Física, o senhor Kim. Ele era um bom professor e também uma boa pessoa, mas era mais conhecido entre os estudantes como o pai das garotas Kim. Will ainda se recorda da primeira vez em que botou os olhos na caçula da família.
Ela tinha a sua idade — recente dezesseis anos — quando se mudaram para o bairro Gaucci. Na época, o verão começava a dar vestígios de sua vinda e todos aproveitavam os bons raios de sol que surgiam às onze da manhã para se esquentarem. Não foi diferente para Will, que aproveitou para andar pela rua do seu quarteirão.
E ali, enquanto passava pela casa de Cauã Pereira e trombava com o mesmo e com o resto de seus — poucos — amigos, foi a primeira vez que soube dela. Que a viu.
Estava sentada na grama do jardim, apoiada na grande árvore que os antigos moradores nunca chegaram a tirar de lá. Seu cabelo castanho era nem muito escuro, nem muito claro, de tamanho curto que a deixava com uma expressão séria para a sua idade — que Will viria a descobrir só após alguns dias depois, na casa de Victor Campos. Aproveitava o sol em sua pele como se fosse a melhor coisa que poderia lhe acontecer. Ela não o viu, mas ele a viu e notou a clara satisfação no rosto da garota. Notou também como piscou os seus olhos algumas vezes e então os fechou com uma profunda respiração.
Naquele dia, Will sentiu-se mais estranho do que o normal.
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As irmãs Kim
RomanceMeados dos anos 70. Will Souza não sabe ao certo como os fatos se sucederam e chegaram àquele ponto. Uma frase dita casualmente, um suspiro contido, um pensamento alto demais e talvez um olhar encontrado por poucos segundos. Não sabe dizer e, mesmo...