8 | Matei o Jake?

85 9 6
                                    

- Matei o Jake? Ele está bem? - soluçava eu. Não conseguia parar de chorar. A minha mãe tinha passado um braço por cima dos meus ombros; às cegas, deixei que me afastasse do miradouro. O meu pai tinha corrido à nossa frente com o corpo inconsciente do Jake nos braços. Alguns dos professores estavam por perto, assegurando-se de que nenhum dos outros alunos se apercebia de que havia algum problema. - Mãe, o que fiz eu?
- O Jake está vivo. - A sua voz nunca soara tão meiga. - Vai sobreviver.
- Tens a certeza?
- Tenho praticamente a certeza. - Subimos os degraus de predra, e quase tropecei em cada um deles. Todo o meu corpo tremia de tal maneira que mal conseguia andar. A minha mãe acariciou-me o cabelo, que, já com as tranças desfeitas, caía, escorrido, à volta da minha cara. - Querida, vai para o nosso quarto, está bem? Lava a cara. Acalma-te.

Abanei a cabeça.

- Quero estar com o Jake.
- Ele nem sequer vai perceber que lá estás.
- Mãe. Por favor.

Começou a recusar, mas depois vi-a aperceber-se de que não valia a pena discutir.

- Anda lá.

O meu pai levara o Jake para a casa das carruagens. Quando entrei, perguntei-me por que haveria um apartamento da casa das carruagens, forrado a madeira com manchas negras e cheio de fotografias cor de sépia em molduras ovais. Depois lembrei-me de que era ali que a senhora Bethany vivia. Estava demasiado perturbada para ter medo dela. Quando tentei avançar para o quarto para ver o Jake, a minha mãe abanou a cabeça.

- Lava a cara com água fria. Inspira fundo algumas vezes. Recompõe-te, querida. Depois vamos falar. - Com um sorriso inconsciente, acrescentou: - Está tudo bem. Vais ver.

As minhas mãos suadas e a tremer debateram-se com o puxador de vidro da porta da casa de banho. Assim que vislumbrei o meu reflexo no espelho, apercebi-me do motivo pelo qual a minha mãe insistira tanto para que eu lavasse a cara. Tinha os lábios manchados com o sangue do Jake. Algumas gotas tinhamse espalhado pelas bochechas. Abri imediatamente as trneiras, desesperada por limpar as provas do que fizera... mas, assim que a água fria começou a correr-me por entre os dedos, dei por mim a examinar mais de perto as manchas de sangue. Os meus lábios estavam tão vermelhos, e ainda inchados por causa dos nossos beijos... Passei a ponta da língua pelo contorno dos lábios. Sentia o sabor do sangue do Jake e era como se estivesse tão próximo de mim como quando o tivera nos braços. Então era disto que falavam, pensei. Durante toda a minha vida, os meus pais tinham-me dito que, um dia, o sangue seria mais do que sangue, mais do que algo do talho que me serviam com o jantar. Nunca tinha conseguido perceber o que queriam dizer. Agora compreendia. De certa forma, era como a primeira vez que beijara o Jake; o meu corpo soubera aquilo de que eu precisava e queria muito antes de a minha mente poder sequer adivinhar.

Depois pensei no Jake, a reclinar-se para que eu o beijasse e a confiar por completo em mim. A culpa fez-me voltar a chorar e depois molhei o rosto e a nuca. Precisei de vários minutos a inspirar fundo antes de poder tornar a sair da casa de banho.

A cama da senhora Bethany era uma monstruosidade preta esculpida, com colunas em espiral que suportavam o dossel em cima. Tinha obviamente vários séculos. Insconsciente, no centro da cama, o Jake estava tão pálido como a ligadura que lhe cobria a garganta, mas respirava.

- Ele está bem - sussurrei.
- Não bebeste sangue suficiente para o magoar. - O meu pai olhou para mim pela primeira vez desde que tinha corrido para o miradouro. Receara ver a reprovação (ou, dado o que eu estava a fazer quando fui acometida pelo impulso de morder, constrangimento) mas ele estava calmo e até simpático. - Era preciso esforçares-te para beberes mais do que meio litro de uma vez.
- Então por que é que o Jake desmaiou?
- A dentada provoca-lhes isso - explicou a minha mãe. Estava a referir-se aos humanos. Normalmente, esforçava-se por não estabelecer distinções, pois gostava de dizer que as pessoas, independentemente do que quer que fosse, eram pessoas, mas a linha que nos dividia nunca fora tão clara. - É como se ficassem... hipnotizados, talvez, ou submetidos a um feitiço. Primeiro debatem-se muito, mas não tardam a entrar neste transe.
- E ainda bem, porque isso significa que ele amanhã não vai lembrar-se de nada. - O meu pai tomou o pulso do Jake, verificando-lhe a pulsação. - Vamos inventar uma história sobre a ferida que tem na graganta para lhe contarmos, qualquer coisa simples, um acidente. O velho miradouro tinha algumas tábuas soltas... talvez uma delas tenha caído. Mesmo na cabeça dele.
- Não gosto de mentir ao Jake.

A AcademiaOnde histórias criam vida. Descubra agora