Prólogo

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Ela encarava aflita seus pés em cima do sofá, apesar dela saber quanto sua mãe reprovaria isso caso ela visse. Não que ela ligasse para isso no momento, ela estava assustada demais para ligar para as banalidades de sua mãe.

Uma forte trovoada rugia no lado de fora e os raios pareciam cair cada vez mais perto. Ela sabia disso pois seu medo sempre a fazia recorrer a ciência, a fim de provar que os raios caiam longe, que ela não deveria se preocupar com isso, mas isso não a estava ajudando hoje.

Ela havia feito tudo o que a sua super protetora mãe havia a ensinado: todos os aparelhos eletrônicos haviam sido desligado das tomadas, todas as janelas haviam sido fechadas e perto dela não havia nada eletrônico. Ela também trazia nos pés um chinelo de borracha, típico daquele lugar, que sua mãe insistia que a protegeria de raios.

Na sala havia também uma vela numa bancada próxima, ao lado de várias estatuas de santos católicos, parte da coleção de sua mãe. Uma estava mais a frente que as outras: Santa Bárbara, a protetora das trovoadas. Quando a ciência falha em acalma-la, a religião tem um papel fundamental nisso.

A cada novo estrondo ela sente o coração sair pela boca. As luzes dos relâmpagos clareavam o fim de tarde tomado pela escuridão das nuvens de chuva. A energia havia saído há quase uma hora e ela se sentia cada vez mais sozinha.

A ansiedade, que já era parte dela a um bom tempo, com quem ela convivia diariamente, estava mostrando suas garras. Ela já não conseguia ficar parada, tremendo nervosamente. O suor frio escorria pelo corpo, causando arrepios quando os ventos do lado de fora passavam pelas frestas das janelas.

Ela havia pensando em ligar para alguém, pedindo ajuda ou apenas companhia mesmo, mas seu medo de chegar sequer perto do celular a impedia disso. Além do mais, para quem ela ligaria? A mãe estava fora da cidade, com seus irmãos mais novos, aproveitando os últimos dias de férias antes que as aulas voltassem; seu pai estava trabalhando e, por mais que ela soubesse que se ligasse para ele, ele largaria tudo e viria em seu socorro, ela não queria fazer isso; sua irmã mais velha deveria estar em casa, cuidando da filha pequena; e seu irmão era um caso perdido.

Ela tentava se concentrar fixamente na vela, aonde a chama dançava lindamente, como uma bailarina. O fogo estranhamente a acalmava, pelo menos até que um novo relâmpago rugisse no lado de fora.

Entre um estrondo e outro, ela tentava lembrar de pequenas coisas da sua vida, algo que a ajudasse a se acalmar: como ela estava feliz que em poucos meses ela se formaria e se mudaria para um outro lugar, longe de tempestades estrondosas como essa, com sua melhor amiga para estudar aquilo que ela mais amava.

Só de pensar em Marlee ela ficava mais calma. Ela queria desesperadamente ligar para a amiga, mas ela sabia que a mesma deveria estar ocupada em alguma aula de yoga ou algo do tipo. Marlee era destemida enquanto ela era a manifestação do medo.

A calmaria que a lembrança da melhor amiga trazia foi apenas temporário. Os raios pareciam se aproximar da sua casa e isso estava fazendo ela perder a cabeça. Eles pareciam estar caminhando em sua direção, cada passo mais perto.

Isso a fez o medo tomar conta dela, ela se levantou do sofá, sentindo o chão tremer devido ao impacto dos raios no chão. Ela corria, para fora de casa, para longe dos raios, mas sentia eles perseguirem ela. Ela tropeçava e caia mais do que corria, devido a falta de firmeza do chão.

Num determinado momento, ela caiu e não levantou, apenas ficou observando os raios se aproximando, caindo a metros delas.

Ela viu, em câmera lenta, o raio que vinha em sua direção, pronto para atingi-la em cheio. Ela viu a luz brilhante cruzando o céu, como uma cicatriz. Ela sentiu a eletricidade, a força sobrenatural que aquilo tinha.

Quando o raio tocou sua pela ela sentiu a fúria queimar dentro dela. Parecia que todos as células de seu corpo haviam se transformado em fogo. A luz do relâmpago que segundos antes a cegava, agora parecia ter clareado seu mundo todo.

E naquele momento ela perdeu o medo de relâmpagos.

Naquele momento ela se apaixonou por eles.

StormWhere stories live. Discover now