II - Barganha

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Helena acordou assustada. Em algum momento de sua silenciosa vigília ela pegou no sono. Uma manta cobria metade do seu corpo e algumas almofadas acomodavam seu corpo entre a poltrona. O céu estava completamente escuro, sem lua ou estrelas. Pequenas ondas quebravam na proa e Helena teve dificuldade para saber se era um sonho ou não.

– Que bom que acordou. Acabamos de chegar. – A voz de Vitor era a resposta que precisava.

– Onde estamos?

– Em Begônia, a cidade dos Místicos. – Warren anunciou. – A escada já está baixada. Vamos que eu não tenho a noite inteira.

Helena demorou um pouco para se levantar, mas assim que reuniu coragem, alcançou a escada. Vitor ofereceu a mão, que foi rudemente recusada. Dando de ombros, liderou o caminho para um pequeno cais iluminado.

Ela contou três passos antes de escorregar e cair de bunda. Warren soltou uma gargalhada estrondosa e Helena o olhou com raiva, o que não fez efeito nenhum para silenciá-lo. Vitor balançou a cabeça, mas não riu mais que uma respiração antes de se oferecer novamente para ajudar. O que Helena recusou.

– Teimosa feito uma mula! – Warren disse entre uma gargalhada e outra.

– Garota bobinha. – Vitor suspirou.

Felizmente, Helena conseguiu acompanhá-los sem mais incidentes. Estava com os punhos fechados ao lado do corpo, tentando não pisar duro. No fim do cais, outro carro preto esperava por eles. Ela se viu novamente no meio dos dois enquanto um motorista manobrava por uma estrada de terra.

– Pra onde estou indo agora?

– Para o escritório de Tana. Ela quem administra o local e vai te dizer o que fazer. – Warren respondeu depois que Vitor ficou calado.

– Vou pedir à ela para refazer o teste. – Comentou para só depois perceber que tinha falado em voz alta.

– Ela provavelmente vai permitir. Por alguma dessas bobagens psicológicas e tal. – Warren respondeu, pensativo.

A resposta dele fez as sobrancelhas da garota se erguerem de surpresa. Ele apenas deu de ombros, encerrando o assunto.

O resto da viagem foi feita em silêncio.

***

Helena estava em uma sala de espera, sentada em uma cadeira acolchoada. Observou a pintura à sua frente, a paisagem de uma ilha ao pôr do sol. Em uma das aulas de artes, ela aprendeu como as cores influenciavam as emoções as pessoas. Embora aquele quadro estivesse pintado em tons claros, ela começou a bater o pé no chão com muita ansiedade.

– Pode entrar. – Uma voz feminina interrompeu a tremedeira. Helena se ergueu rapidamente e segurou a respiração enquanto caminhava até uma outra sala. Entrelaçou os dedos atrás de si no momento que a porta era aberta..

O pequeno escritório tinha um tom sóbrio e ela hesitou brevemente antes de entrar. Apressou o passo e ficou em pé, diante da escrivaninha.

- Por favor, sente-se. – Uma mulher lhe recebeu com um sorriso. Ela tinha uma beleza que parecia sobrenatural, mas não cheirava a magia. Na verdade, o escritório tinha um odor desconfortável de produtos de limpeza.

Com um gesto gracioso, ela fechou o notebook.

- Seja bem-vinda, Helena. Eu sou Tana.

- Prazer. – Murmurou.

- Eu sou responsável pela administração local. Enquanto estamos separando as acomodações, algumas das suas coisas estarão a caminho, mas não se preocupe, será rápido.

- Com licença. – Helena pigarreou. – Eu gostaria... Gostaria de pedir que o teste fosse refeito.

- Ah. – Tana ergueu as sobrancelhas definidas. – E por que?

- Eu acho que... acho que houve um engano. Não da parte de vocês! Isso não! – Ela se corrigiu rapidamente, nervosa. – Eu só... Eu sei que não sou uma de vocês. Eu não posso ser.

– Acredito que você saiba que os testes são bem precisos. Especialmente no que diz respeito à identificação dos portadores de magia.

Helena respirou fundo, meio trêmula.

– Eu preciso refazer os testes. – Havia uma sofreguidão em sua voz que deixou Tana curiosa. Por fim, disse:

– Podemos providenciar isso, é claro. Mas não agora. O equipamento teria que ser preparado... Levaria no mínimo três dias.

Os ombros de Helena caíram visivelmente, mas seu pensamento se mantinha otimista. Três dias passariam rapidamente, repetiu para si mesma. Ela faria o teste e então voltaria para a sua casa. Poderia esperar.

– De qualquer forma, enquanto estiver aqui, terá acomodações separadas para você. Como solicitou refazer o teste, não precisará ir ao centro de estudos. Não acho que alguns dias irão atrapalhar, de qualquer forma. – Ela se recostou na cadeira. Helena não deixou de notar que ela falou como se ainda tivesse que ir ao centro de estudos em algum momento. – Depois que resolvermos isso, irei lhe inteirar sobre as demais informações. Aguardo você em três dias.

Helena captou a dispensa e se levantou, atravessando a porta rapidamente. Ela vislumbrou brevemente o sorriso da mulher antes de sair e sentiu calafrios por toda a espinha. 

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