Capítulo 2 - 50 reais

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O garoto tinha o mesmo olhar de Malcoy, ou até pior. Um olhar triste, vazio e sem esperanças. Me levantei e fui direto a o quarto do mesmo. O quarto era um pouco menor que o outro. Havia, também, um lençol fino com um travesseiro no chão, uma cômoda semelhante a outra e um "resto de cama" quebrada no fundo do quarto. Essa cama estava totalmente enferrujada e danificada, onde seria impossível de se deitar, ou até mesmo de colocar um colchão. Comecei a perceber que a situação era realmente tensa e delicada. O menor se encontrava sentado no pequeno lençol, segurando uma suja nota de 50 reais. Passei minutos observando-o enquanto ele estava de costas, mas não durou muito tempo. Ele ficou me encarando em silêncio, parecia que não queria ter contato com ninguém no começo, porém não desisti. "Olá, seu irmão deve ter falado que iríamos dar uma visita aqui." disse, tentando arranjar alguma chance de amizade com o garoto. Sua beleza natural me encantava de uma forte maneira. "Não sei quem é você, mas, poderia entregar esse dinheiro para Malcoy?", Skylle permaneceu de cabeça baixa "Claro, uhm...seu nome é Skylle, certo?" "Sim." parecia desencanado com a situação, sem ligar muito para oque eu falava. Resolvi somente abrir um sorriso e dizer meu nome, mas o menor não deu muita importância.

Sai do quarto e levei o dinheiro direto para Malcoy, que somente me agradeceu revelando sua expressão de sempre. Ficamos mais alguns minutos na casa de Malcoy e depois deixamos-a. Aquele olhar medroso não deixava minha cabeça descansar, parecia que algo estava errado e que havia algum pedido de socorro naquele simples olhar, ou até mesmo naquela nota de 50 reais. Enquanto Geovanna e Rafaella tagarelavam a minha frente, permaneci em silêncio, observando cada passo que fazia. Talvez aquele olhar representasse infelicidade? Ou arrependimento? Nunca imaginei que um amigo próximo teria que apresentar todas essas dificuldades. A vida realmente não é oque parece.

No dia seguinte cheguei cansado para a primeira aula. Apenas me deitei e fechei meus olhos, enquanto ouvia oque Geovanna, Rafaella e Malcoy conversavam a o meu lado. "A gente podia dar uma passada na sua casa se você quiser. Poderíamos te ajudar com deveres de casa ou algo do tipo" Rafaella parecia preocupada, mas a o mesmo tempo feliz por estar conhecendo melhor Malcoy. "Se vocês quiserem, podem ir. Mas não estarei esta tarde, tenho que resolver uns negócios na cidade, porém, a porta de casa nunca é trancada, fiquem a vontade para entrar." Malcoy aparentou estar contente e satisfeito pela ajuda dada. "Pode ser então!". Resolver alguns negócios na cidade? Fiquei intrigado com está frase, mas logo resolvi assentir que iria junto com as garotas.


Foi exatamente isso que fizemos. Esperamos o turno acabar e fomos para a casa de Malcoy, enquanto o mesmo tomou um caminho diferente. No meio do caminho, pensei que seria bom pegar dois lanches para entregar para os garotos, então foi isso que fiz. As meninas gostaram da minha ideia e me ajudaram a pagar os suficientes sanduíches. Quando chegamos, o primeiro a se disparar foi Totty, que veio correndo em nossa direção. Enquanto as meninas entregavam a ele o lanche, fui, sem pensar, ao primeiro quarto, procurando por Skylle. O menor não estava lá, porém decidi espera-lo, sentado no chão. Alguns minutos depois, observando cada canto do quarto, ouvi a porta de entrada abrir e lá estava ele. Skylle provavelmente ouviu as vozes das garotas e já percebeu que estávamos lá, entretanto, não se surpreendeu quando me viu sentado em seu quarto. A primeira coisa que percebi foi seu olhar, que continuara o mesmo, ou talvez mais mais cansado. "Olá, comprei um lanche para você, achei que quando chegasse estivesse com fome" Disse sorrindo, enquanto o menor arremessava sua bolsa escolar no chão. Ele parecia irritado com a situação de eu praticamente, estar invadindo seu quarto, mas ficou calado e apenas pegou o sanduíche.

Fiquei um tempo admirando-o enquanto degustava o sanduíche. Ele parecia faminto e atrapalhado enquanto comia. Foi então que percebi um outra nota de 50 reais em sua mão, mas não quis tocar no assunto. Talvez ele trabalhasse em algum lugar, por conta da situação precária que vivia? Mas um garoto de 15 anos poderia trabalhar em algum estabelecimento? Deixariam ele trabalhar? "Você estava na escola?" quebrei o silêncio. "Não, não tive vontade de ir hoje", "uhm, entendo. Sabe onde Malcoy poderia ter ido? Ele falou que iria resol-" fui cortado com uma resposta seca. "Não sei.". Ficamos alguns minutos em silêncio, enquanto ouvíamos a criança brincando com as garotas. Era realmente barulhento, mas não irritava meus ouvidos. Quando Skylle se cansou, deitou sobre o chão e abraçou o pequeno travesseiro. Eu me sentia mal por não poder fazer nada por ele. Ou será que poderia? Meus pais viviam viajando por conta de trabalhos e entrevistas, quase nem colocavam o pé em casa. Mas, como lado positivo, morávamos em um casa grande e bastante popular na cidade. Todos que passavam tinham o desejo de um dia poder morar ali.


No dia seguinte, fomos novamente para a casa de Malcoy, após várias insistências das duas garotas. Aconteceu a mesma coisa, o garoto havia chegado em casa, depois de uma longa manhã escolar, entregando outros 50 reais para Malcoy. Malcoy só pegava o dinheiro, sem dizer uma palavra. "Você poderia pelo menos agradecer." Disse Skylle, de um jeito grosseiro. "Onde consegue esse dinheiro?". Nem mesmo Malcoy sabia onde o menor conseguia o tal dos 50 reais. "Espero que não esteja roubando ou algo do tipo" Skylle parecia revoltado com a atitude de seu irmão, fazendo-o gritar, "Eu não estou roubando! Mas tenho certeza que estou fazendo algo mais útil que você!". Malcoy parecia acostumado com aquele tipo de comportamento, aliás, Skylle já havia reclamando há um bom tempo do mais velho não ter um emprego. "Estou tentando arrumar um emprego, mas não é fácil. Creio que não seja para você também, por isso, me preocupo de onde arranja este dinheiro". Skylle parecia ficar mais irritado, oque o fez cuspir no rosto de Malcoy e ir novamente para o quarto. Só ouvi a porta sendo empurrada e fechada com força após isso.

Sim, algo estava muito errado com este dinheiro. Malcoy apenas suspirou e limpou o rosto. "Ele é impossível." Quando ouvi essas palavras saindo da boca do mais velho, só fiquei calado pensando em oque responder, enquanto as meninas ficavam olhando-o com um olhar preocupado. "Você está bem?" Disse Rafa e em seguida Geovanna resolveu comentar "Eu também era assim quando tinha 14 anos. Isso vai mudar, relaxa". Ela parecia estar tentando amenizar a situação de alguma maneira. Neste dia, as meninas precisaram ir embora mais cedo, ficando só eu e Malcoy, além de seus irmãos. Aquela casa tinha um clima ruim e preocupante.

DestinoWhere stories live. Discover now