Era um dia frio, daqueles em que se deseja ficar deitado ouvindo o som da própria respiração, matutando sobre os acontecimentos da vida, ou até mesmo evitando pensar. O rapaz, como fazia de costume, saíra de casa bem cedo. O céu denunciava um dia nublado e cinzento. Não achou ruim, pelo contrário, sentia-se bem quando as grandiosas nuvens negras tomavam conta do vilarejo. Aquilo significava uma única coisa: chuva.
De pés descalços pisou na terra gelada e, de longe, conseguiu ouvir as risadas das crianças brincando de esconde-esconde. Saíra de casa antes de sua mãe acordar, não queria lhe dar satisfações, estava apressado.
— Bom dia! — a Dona Silva o saudou com um sorriso largo. Ela morava numa casa pequena e estreita. O rapaz ia lá uma vez ou outra quando sua mãe pedia para pegar açúcar emprestado. E, sinceramente, não sabia como a pobre mulher conseguia cuidar de tantos gatos. Tinha um preto que se chamava Nino. Outro branco e já velho que se chamava Mião. Tinha também Pitoco que era mourisco. E tantos outros que ele não se deu ao trabalho de decorar.
Retribuiu a saudação com um sorriso ligeiro e em seguida continuou seu trajeto. O miúdo vilarejo Riacho do Jerimum ficava localizado no interior da Paraíba, no Brasil. Caíque, que nasceu e cresceu ali, não sabia como o mundo era lá fora. Às vezes se questionava se as pessoas dos outros lugares eram iguais a eles. E se fossem de outras cores, com outras línguas, outros sonhos? Isso acabava nem importando afinal.
O sonho dele, por exemplo, era morar numa casa no topo de uma montanha. Não sabia o porquê, mas adorava a solidão. Enquanto muitos jovens passavam a maioria do tempo conversando sob a luz do luar, planejando os seus futuros incertos, programando como seria ter uma família, ele gostava de se sentar na beira do riacho para pensar sobre o mundo. Gostava também de tocar sua velha viola que fora do pai.
Logo conseguiu atravessar um cercado de arame construído pelo Seu Vicente, um senhor de cabelos grisalhos que morava num canto mais afastado da pequena vila. Caíque gostava de visitá-lo, era a única pessoa com a qual ele conversava. O jovem, desde muito novo, gostava de conversar com pessoas sábias, sendo um dos seus maiores desejos tornar-se um.
— Entre, entre logo! — Seu Vicente chamou. — Você não deveria ter saído agora, hein? Olhe só como o céu está bonito, vai chover!
Caíque deu de ombros, Seu Vicente era sempre agoniado.
A casa onde vivia não era diferente das outras do vilarejo. As paredes eram feitas de taipa e barro. O teto, para evitar que molhasse quem estivesse dentro, era coberto de palha. Caíque sempre achara que isso não fazia diferença, afinal, sempre que chovia tudo ficava molhado.
— Posso deduzir que veio para conversar um pouco, né? — ele cantarolou contente. Caíque não precisou confirmar, o desejo era evidente em seu olhar. O rapaz puxou o banquinho de madeira que já lhe era familiar e se sentou. — Que tal um copo de leite para acompanhar a prosa?
— Não será necessário, seu Vicente — ele afirmou. — Só vim para conversar um pouco com o senhor.
O homem franziu a testa evidenciando as rugas que marcavam seu rosto.
— Pois farei mesmo assim — anunciou, levantando-se animado em direção à cozinha. Caíque por sua vez não se cansava de admirar o lugar. Talvez, apenas talvez, gostasse mais dali do que de sua própria casa.
A sala era bem pequena, cabia apenas uma estante velha com alguns pertences empoeirados, um grande banco feito de madeira e a rede onde Seu Vicente dormia o cochilo da tarde. Nas paredes estavam pendurados quadros velhos pintados com poucas cores. Algumas imagens da natureza, outras da esposa falecida, e uma única que era de uma moça, provavelmente alguma parente. O quadro estava muito apagado e os traços borrados, por isso o rapaz nunca conseguira saber quem era.

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Riacho do Jerimum (degustação)
FantasíaCaíque vive junto de sua mãe e sua irmã mais nova no Riacho do Jerimum, um povoado do interior da Paraíba. Depois de crescer com o peso de ter sido abandonado pelo pai, tornou-se um jovem solitário que tem como maior divertimento visitar seu Vicente...