VIII° Fragmento - Elloran

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Eu encarava a todos do lado de fora, avaliando a cada um deles com cuidado. Não sabia o que poderia acontecer, na verdade, não me sentia muito confortável ali, no meio daquela floresta, com todas aquelas pessoas desconhecidas. Não sabia como agir perto delas.
Era diferente de estar com Gael e Zahira na cidade, quer dizer, ninguém nos incomodava, e não me olhava como se eu fosse alguma aberração. Emmett jamais admitiria, mas eu podia ver os olhares discretos e os sussurros, desde que havia descido da maldita casa na arvore, após o acontecido dois dias atrás.
Não sabia dizer se aquilo estava tendo algum efeito em mim, mas certo de que eu estava de sangue quente. Talvez fosse algum tipo de estresse, ou então o encontro agradável com a filha de Emmett.
Filha de Emmett.
Alguma parte de mim não se importava nenhum pouco com isso, outra parte me dizia que eu deveria me importar, talvez até pudesse tentar ser um pouco empático com a garota rebelde e agressiva. O problema era que ninguém nunca se colocava no meu lugar, ou tentava sentir as minhas dores, não aquela bobagem de “eu imagino como deve ter sido difícil!”, a verdade é que ninguém nunca imagina absolutamente nada.

_Elloran?

_o que é? – disparei acido, virando-me para encarar Anne, que parecia estar surpresa – o que? – resmunguei.

_você parece meio estressado... – ponderou – a pobre plantinha não tem nada haver com isso! – apontou para o pequeno ramo em minhas mãos, que estava completamente amaçado e destruído.

_desculpe, Anne! Só não estou aproveitando tanto essa viagem como pensei que poderia aproveitar! Estou mais do que um pouco estressado... – disparei secamente, voltando a olhar ao redor.

_na verdade, isso é bom! – sorriu, me deixando confuso – você esta irritado, quer dizer, isso é parte de quem você é, ser um urso sabe? Nós somos esquentadinhos!

_quer dizer, que esse meu estresse pode ser o meu urso? – indaguei incrédulo – mas eu não me sinto diferente... Só meio irritado e quente...

_sério? – com um movimento rápido, ela passou a mão em minha testa e pescoço – oh, sim! Você esta quente! – animou-se.

_quem esta quente? – Thom brotou da terra ao lado da irmã, me encarando curioso – esta doente? – ele tocou a testa de Anne, e imediatamente a minha, mantendo sua mão demorada ali – esta quente mesmo...

_eu me sinto bem! – argumentei.

_ele esta irritado e quente! – Anne cantarolou feliz, e Thomas sorriu para mim. Algo que fez minhas entranhas revirarem, afinal ele tinha um sorriso lindo e perigoso, me fazia ter calafrios.

_então quer dizer que ele pode se transformar a qualquer momento! – falou, o que disparou um gatilho em mim. “transformar”.

_vocês estão dizendo que eu posso virar um urso a qualquer momento? – indaguei perplexo – só porque estou estressado?

_na verdade, sim! É isso mesmo que estamos dizendo! – Thom respondeu – Elloran, aqui é o nosso lugar, a floresta desperta o nosso lado mais selvagem e primitivo... Nossos ursos! É normal que o seu lado animal esteja aflorando, e mesmo não sabendo se você vai virar um urso pardo ou negro, ou talvez o ursinho Pooh, sabemos que você é um urso! Sentimos dentro de nós, por isso cuidamos dos nossos iguais!

_queria ser uma enciclopédia igual a vocês! – resmunguei – sempre tem a explicação certa e cheia de histórias... Toda vez que eu dou piti!

_o que seria da vida sem piti? – Anne exclamou ofendida – mas uma coisa é certa, temos que ficar de olho em você!

_ah não! Por favor! Não! – choraminguei – qual é, estamos acampando ou sei lá o que! Não quero babás! Foi difícil dispensar Emmett, convencendo-o de que estava bem, para fazê-lo ir caçar com os outros! – bufei.

_ele deve demorar algumas horas... E ele tem razão, Anne, estamos acampando! – Thom ponderou – então vamos nos divertir! – num impulso ele pegou meu pulso e saiu me puxando, sendo acompanhado da irmã – ainda bem que você esta com esse Luke esportivo, bermudinha e camiseta, vamos mergulhar!

_mergulhar?

_sim, na cachoeira! Não se preocupe se não souber nadar, eu salvo você! – Anne cantarolou.

_isso deveria ser reconfortante? – indaguei e os irmãos sorriram arteiros – não pode ser tão ruim assim... – murmurei.

***

_eu quase não lembro meu nome! – balbuciei enquanto boiava na agua, no pequeno lago próximo a cachoeira. A seção de quedas, pulos e mergulhos havia terminado e agora apenas relaxávamos na água – meu cérebro esta adormecendo...

_isso é tão bom... – Thom murmurou antes de afundar na agua, gerando muitas bolhas, e agitando a água.

Foi um susto para mim, vê-lo boiar novamente na sua forma animal, completamente transformado. E ele era um urso exemplar. Qualquer caçador que o visse, desejaria tê-lo abatido. O garoto era enorme e forte, com a pelagem escura e olhos inacreditavelmente azuis.

_como... – murmurei.

_ele relaxou tanto que decidiu que era melhor deixar sua forma animal a solta... – Anne murmurou – também queria fazer o mesmo, mas da muito trabalho se secar depois...

Thomas aproximou-se de mim, nadando, parecia feroz e aterrorizante, fazendo meu coração acelerar, mas era de um jeito bom. Ele me levantou em suas costas, levando-os até Anne, carregando-a também.

_onde estamos indo? – ela indagou ao irmão, que apenas nos carregava de mau jeito em suas costas.

Ele nos levou a uma espécie de caverna que havia ali, na verdade parecia uma gruta, com água morna. Era quente. Muito quente.

_ah, águas termais! – Anne jogou-se imediatamente, seguida pelo irmão. A pequena lagoa, não devia ter mais fundura que a altura dos nossos joelhos.

_que quente... – murmurei – eu vou voltar ao lado, esta muito quente para mim!

_ok, estaremos aqui! – Anne falou e Thom apenas emitiu um som em concordância nos fazendo rir.

Era apenas há alguns metros, já na saída da gruta, era possível ver o lado. Respirei fundo e comecei a caminhar, sentindo meu corpo um pouco dormente. Ao chegar ao lago, sentei-me na beira, com os pés na água e molhei a cabeça e o rosto, tudo parecia quente para mim.

_você devia ir embora! – uma voz sibilou irritadiça, fazendo minha cabeça doer. Olhei ao redor, vendo à loira... Filha de Emmett. Não recordava o nome...

_eu vou, em breve! – respondi, tentando fazer o calor passar molhando meu rosto novamente. Virando-me para o lago, ignorando-a.

_você não é bem-vindo! – disparou aproximando-se mais.

_eu já percebi isso! – rebati.

_você é estranho, sem cor e não cheira a urso! – continuou – você não é um dos nossos!

_e porque eu iria querer ser um de vocês? – rebati – alguém que não sabe recepcionar os convidados, que não respeita as diferenças e que julga sem conhecer? – rebati acido – não! Obrigado! Estou bem, sendo eu mesmo!

_você é uma aberração... – ela chiou aproximando-se ainda mais – não devia estar aqui, não devia estar aqui com ele...

_isso é ciúmes? – sorri. – isso é ciúme porque ele é meu? – levantei-me com dificuldades, dando de cara com ela, a poucos centímetros de mim. Bufando de raiva. E foda-se isso. Eu estava fora de mim – porque ele é meu e não seu ou da sua mãe? – sorri maldoso.

_cala a boca...

_ah, é isso não é? – sorri debochado – porque ele estava comigo o tempo todo, enquanto você estava sem o seu papaizinho...

_cala a boca! – ordenou trincando os dentes.

_aceita de uma vez garotinha, ele pode até ser seu pai, mas ele é meu! Meu companheiro, meu amante, meu homem! – declarei lentamente – meu e apenas meu! Você pode até ter uma parte dele, por ser filha, mas sua mãe não é ninguém para nós...

_EU MANDEI CALAR A BOCA! – gritou possessa.

_ELLORAN CUIDADO! – ouvi a voz de Anne, e virei para vê-la correndo.

Numa fração de segundos, algo explodiu na minha frente, seguido de um rugido e um golpe no meu rosto, forte o suficiente para me fazer girar, e meu pescoço estalar.

_MEU DEUS, ELLORAN! – o grito de Anne arrepiou minha espinha, porém eu não conseguia me mexer. Suas mãos apressadas, viraram meu corpo – pelos céus, Thom! O rosto dele... – balbuciou.

Ela colocou-me em seu colo, enquanto o irmão ficou de pé entre nós e a filha de Emmett, que parecia estar voltando à razão, mas ainda na sua forma de urso.
Um rugido maior foi escutado ecoando na floresta, seguido de outro e de um terceiro mais longo e agonizante. A terra pareceu tremer e passos pesados eram ouvidos, como se uma manada de búfalos estivesse correndo em nossa direção, sentíamos o leve tremor.

_Thom... – Anne murmurou aflita, segurando-me em seu colo, quando um urso negro rosnou furioso, surgindo na floresta, seguido de um menor e ainda mais ágil, porém cinza – Zahira? Como? Quando chegaram aqui?

Vimos Gael voltar à forma humana, contendo facilmente a menina que reconheceu seu líder imediatamente. Minha irmã correu até nós, parando ao meu lado, voltando a sua forma humana.

_o que fizeram com o meu bebe... – ela tocou meu rosto, com seus olhos marejados de lagrimas – Elloran...

Não consegui dizer que estava bem, pois outro urso, um mais descontrolado surgiu, furioso, rosnando, golpeando tudo ao redor. Gael o obrigou a voltar a forma humana, revelando um Emmett extremamente transtornado.

_PORQUE VOCÊ NÃO CUIDOU DELE? – Zahira disparou furiosa, acertando alguns murros no peito de meu companheiro que apenas me encarava paralisado – EMMETT SEU, SEU, SEU... QUE ÓDIO! – ela o empurrou e avançou rumo a Gael – um motivo... – ela sibilou.

_é uma criança... – ele falou tenso, apensar de respirar fundo e me encarar, como se sentisse minha dor, embora eu não sentisse nada.

_eu não sinto nada! – falei o mais normal que pude.

_é normal, você esta em choque...

_não sinto meu corpo... – minha voz tremeu.

_precisamos de um médico... – Anne comentou.

_não podemos movê-lo ! – Gael respirou fundo – Seraphina estava certa, algo ia acontecer... Chegamos tarde! – rosnou irritado – e você, mocinha esta muito, muito encrencada!

_temos de fazê-lo ficar mais quente! – Thom disparou – a transformação dele, por isso nos levei para as termas, assim ela pode acontecer a qualquer momento!

_mas não podemos movê-lo! – Anne rebateu.

_temos de movê-lo! – Zahira decretou, apontando para Emmett – você é o companheiro, você o carrega!  Agora! – o empurrou sem qualquer delicadeza – e você! – apontou para o marido – segure essa coisinha nervosa com você e longe de mim, ou vou dar ela de comer para meu bebê! – virou-se para Emmett – Vamos com isso!

O rosto de Emmett era uma mascara fria e dura, embora suas mãos tremessem, e seu corpo estivesse quente. Ele me carregou com cuidado, como se eu fosse uma espécie de criança recém-nascida, com Zahira bem ao seu lado.

_não posso tirar os olhos de vocês, que começam as merdas... – ela resmungou quando chegamos à gruta – bem quente mesmo! Coloque-o na água e fique lá! Agora, Emmett! – ordenou.

_não precisa se exaltar tanto... Cuidado com meu sobrinho! – falei sentindo a água cobrir meu corpo, causando uma sensação boa e ao mesmo tempo desagradável.

_cale a boca! Você esta todo arrebentado e tenho certeza que essa cicatriz na sua cara vai ficar ai por um bom tempo! – tagarelou – e além disso, ele esta em choque, se eu não ordenar o que deve ser feito, ele é tão inútil quanto seus pedidos para que eu fique calma! – disparou – agora... – respirou fundo – fique aqui... E tente pensar num urso!

_simples assim?

_simples assim! Busque sua força interior, seu instinto primitivo, o lado irracional... – enumerou rapidamente – e então, a floresta fará o resto!

_tem certeza?

_confie em mim!

Não sei em que momento da “busca interior” eu acabei dormindo, ou desmaiando, fato é que quando voltei a mim, estava de molho na água, sentindo um peso descomunal em meu corpo. Resmunguei e abri os olhos para ver Emmett deitado em alguma manta peluda ao redor de meu corpo. Bufei e o empurrei para o lado, e de fato seu corpo se moveu, mas não foram minhas mãos que o empurraram... Foram patas.
Patas. Peludas. Enormes patas peludas e com garras.
Pulei assustado, empurrando-o para o lado. Girando o grande e peludo corpo que parecia ser meu, ou melhor, parecia ser eu.

_olha só isso... – ergui no que parecia ser minhas pernas ou patas traseiras. Eu era um urso, não era? Então eram patas. Sim patas – você é um belo espécime, não é?

Não precisei de grandes esforços para descobrir o dono daquela voz, ou melhor, a dona. Era a pequenina coisinha irritante. Loira e irritante, que infelizmente estava ao lado de minha irmã, que parecia dócil, a julgar por seu temperamento de outrora.

_você esta muito fofo... – Zahira cantarolou agarrando-se ao meu corpo peludo – um belo e raro urso polar!









Hey, Pandinhas, me perdoem a demora! Mais um capitulo, pois como prometido, eu não vou desistir do livro. Embora tenha me desanimado um pouco e tido alguns problemas para voltar a escrever, o que importa é que não vou desistir desse livro. A força do ódio prevalecerá e teremos a série dos ursos até o final do ano... Espero ter ódio o suficiente para isso! Kkkk vejo vocês em breve! Comentem e deixem a estrelinha, pra dar força a minha vontade ou ao meu ódio.

Alma de Urso - Livro II - Série Amores IndomáveisWhere stories live. Discover now