Capítulo 1 - Jogo de Xadrez

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"Ano novo, vida nova", dizia, ironicamente, a faixa de réveillon da delegacia.

O som de tique-taque do relógio na parede era, de certa forma, ensurdecedor em contraste com o silêncio do ambiente.

— Senhor Roque, vou lhe fazer a pergunta mais uma vez. — firmou o policial, ainda demonstrando paciência à situação. — Por que você acha que alguém mataria o senhor Hector?

— Eu não sei... — respondeu distante, analisando os cantos das paredes. — Eu não tinha nada a ver com ele.

— Até onde eu sei, Hector foi o seu instrutor do ano passado em Oxford, confirma isso?

Martin assentiu, mas continuava distante, já cansado de ficar naquela mesma posição na desconfortável cadeira da sala de interrogatórios.

— Senhor Roque. — o delegado advertiu pela milésima vez — Está disperso de novo.

— Eu já contei tudo que eu sei, por que simplesmente não me deixam ir embora? Com certeza vocês acharam gente mais suspeita do que eu lá fora. — estremeceu, se ajeitando no encosto. A ideia de estar ali, sendo interrogado numa delegacia por assassinato, era demasiadamente absurda, intocável, improvável, coisa de cinema.

O delegado suspirou pela última vez e empurrou a cadeira para trás, fechando seu caderno por cima da mesa.

— Você deverá comparecer semana que vem novamente, caso aparecer mais evidências.

— Ok.

*

A delegacia é um lugar estranho. O garoto repetia o ritual de todos os dias em que esteve ali, o de observar cada detalhe do ambiente. Era sempre uma movimentação desanimada. Transmitia cansaço e monotonia.

Ao vê-lo, Lucas e Nicole se levantam de suas cadeiras.

— Foi tudo bem lá dentro? — Nicole perguntou.

Martin simplesmente assentiu.

— O mesmo das outras vezes, vamos?

Mesmo dois meses após o assassinato de Hector, o clima entre as conversas continuava tenso, não fúnebre, mas sim, tenso.

— Por que nós, simplesmente, não contamos a verdade? — Sabrina apareceu do nada assim que os três atravessaram a porta de saída do prédio.

— Ah, é? E o que iremos contar sem sermos incriminados também? — Martin indignou-se — Afinal, roubamos o manuscrito, invadimos propriedade e vários outros delitos que nos levaria à prisão antes mesmo do assassino em si.

— Realmente, a "Rainha de Copas", seja lá quem for, pensou bem nisso.

— Ainda bem que tivemos tempo de inventar essa história toda antes de começarem a nos interrogar. — Lucas refletiu.

Nicole mantinha a cara cerrada até este momento.

— Todo esse tempo, eu continuo me perguntando como e por quê. Como, em sã consciência, é capaz de alguém ser brutalmente assassinado, e, na cena do crime, a polícia não conseguir encontrar sequer uma pista ou impressão digital de quem fez isso?

— A polícia disse que o corte, mesmo que bem "sangrento", foi friamente calculado e que se assemelha com um cirúrgico. — falou Lucas.

Todos pararam e ficaram olhando para ele.

— Foi o que eu li na autópsia. — completou e deu de ombros.

Só de lembrar-se da cena, Martin sente arrepios. O desespero das pessoas, os olhos revirados da cabeça decepada, com a mensagem em sangue na parede.

Em Busca do Outro Lado do EspelhoWhere stories live. Discover now