Sob Seu Feitiço • Hopekook

II. E para ler mentes, qual feitiço que usa?

Jungkook quer ser um avestruz para enfiar a cabeça no meio da terra e cometer suicídio. Bem básico, como podem perceber, e isso tudo porque gostaria de ser tão atirado para cima de seu próprio namorado quanto o baixinho irritante estava sendo, mostrando aquele sorriso gengival que deveria se arrancado do rosto perfeitinho.

Mas enquanto continua com vergonha na cara — e não é um avestruz —, se contenta em ficar sentado sem dizer uma palavra enquanto seu lindo namorado tira o atraso nas conversas de bruxos com seu antigo “amigo” da escola de magia. Alguém avisa que o Jeon vai perder um partidão se continuar com a língua confinada dentro da boca.

—  Hobi, senti falta dessas conversas animadas e dessas suas ideias estranhas. — disse o Min, aquele apelido parecia ecoar na mente frágil de mero mortal que Jungkook tinha.

— Sei que ama esses meus papos estranhos, Suga... — a risada gostosa do acastanhado embalou o ambiente aconchegante e com cheiro proeminente de café que aquela cafeteria sempre tinha.

Para variar, eles estavam na cafeteria que era o símbolo do amor verdadeiro entre o bruxo e o “cara normal” desde que tiveram seu primeiro encontro como casal real oficial e compartilhando alianças, símbolo esse que estava sendo manchado pelo papo demorado e animado dos amigos bruxos e pela cara feia do Jeon — este que mantinha os braços cruzados na frente do corpo, representação perfeita da sua animação naquela tarde linda e fria de início de inverno.

Os três logo se despediram, uns mais animados que outros, e o bruxo mais velho seguiu seu caminho para sei lá onde. Jungkook encarou profundamente seu namorado, que ainda tinha aquele sorriso bobo de quem acaba de fazer algo que gostou muito, e esperou que o outro percebesse seu desconforto pelos momentos vividos dentro do estabelecimento atrás de si. Hoseok não pareceu perceber.

— Hobi? — perguntou com a voz melodiosa baixa, o ciúme quase escorrendo pelos cantos da boca bonita.

— Ah, fazia tempo que ninguém me chamava desse jeito... Bons tempos. — disse sonhador, iniciando a curta caminhada para seu apartamento, que era quase o apartamento dos dois, já que Jungkook dormia lá sempre que sentia vontade.

— Bons tempos. — continuou o castanho, ainda com a voz baixa.

— É, foi o que eu disse, bobinho. — Hoseok parou seus passos apenas por tempo suficiente para conseguir espremer as bochechas do outro, formando aquele biquinho adorável no mais novo.

— É... Você disse, Hobi.

O Jung sorriu aquele seu sorriso de coração que o namorado passou a amar tanto, mas ainda “fazia o sonso” por não perceber a situação em que o próprio Jungkook se colocava. Hoseok só tinha achado legal ser chamado daquele jeito pelo namorado, nada além disso.

Mas como tudo pode dar errado e vai dar errado da pior maneira possível — como dizia Murphy, um sábio bruxo —, ser tímido e retraído só fazia o ciúmes ser pior, já que, ao invés de dizer tudo que sentia, apenas ficou calado sobre o próprio sofrimento do coração. Na verdade, Jungkook só passou a ficar ainda mais calado do que o de costume, nem suas amadas conversas sobre personagens da Marvel o fazia falar energicamente como antigamente o fazia.

O estágio letárgico de Jungkook tinha que surtir algum efeito no bruxinho meio lento para perceber as nuances de timidez que o namorado apresentava. Há quem deve achar que depois de quase um ano e meio de relacionamento os dois já conseguiam ler cada movimento que o outro fazia. Pois é, não existe essa, todos são diferentes e constroem relacionamentos diferentes e se já viu desses que lê o movimento um do outro sem, no mínimo, cinco anos de puro “aturar”... Parabéns, me mostra.

Levou quase três semanas de silêncio quase sepulcral por conta dos encontros entre os dois bruxos amigos de longa data, além de uma visita inesperada do pai de Hoseok — aquele mandingueiro ranzinza que preferia um namorado com poderes mágicos a altura de seu precioso filho mais velho — que disse com todas as sílabas enchendo a boca: “Ainda não acredito que está deixando um partidão desses (Yoongi) escorrer por entre seus dedos, meu filho...”; para que o Jung desse conta do mau-humor constante e estranho de Jungkook.

— O que aconteceu, Kookie? — perguntou com aquele jeitinho macio que tinha quando queria convencer o mais novo a fazer alguma loucura junto de si. Isso foi logo depois da desastrosa visita de seu progenitor.

O Jeon apenas encarou-o com as sobrancelhas levantadas, como quem estava prestes a dizer alguma ironia terrível, mas não disse nada. O garoto de cabelo castanho escuro apenas deu meia volta e caminhou com as louças para a pia única da cozinha pequena. Hoseok seguiu em seu encalço como se esperasse por alguma resposta.

— Não sei... — “Pergunta para o Yoongi, o partidão” completou mentalmente.

O bruxo de furinhos na bochecha se encostou no balcão da pia, ao lado do namorado silencioso.

— Vamos lá, Jungkook... — disse depois de suspirar ruidosamente — Conversa comigo, não aguento mais ver essa sua cara de quem comeu e não gostou.

— Não sou eu que “como”, Hoseok. — zombou enquanto começava a ensaboar os utensílios sujos.

O mais velho não conseguiu segurar o revirar de olhos com o comentário espertinho do outro.

— Qual é, não brinca.

Era a vez de Jungkook suspirar. Não respondeu por alguns segundos — talvez minutos — e continuou seu trabalho em ensaboar tudo, mesmo sabendo que bastava um gesto do outro para que toda louça se mostrasse brilhando de tão limpa, mas Hoseok sabia como o ato de lavar acalmava o namorado cheio de neuras meio desnecessárias.

— Eu só sinto falta. — disse antes de começar a enxaguar — Sinto falta do jeito como parecia que você conseguia ver o significado por trás de todos os meus gestos. Será que não dá só para você ler meus pensamentos?

— Já te falei, ler mentes requer um feitiço proibido, eu nunca faria isso com você... Respeito sua privacidade, ok?

Irritado, o mais novo apenas parou tudo o que fazia antes de arrastar as mãos por um pano para seca-las marchou para a sala. Será que o outro não poderia ser um pouquinho menos literal com as coisas? Deve ser coisa de bruxo, já que quase tudo pode ser realmente literal para eles.

— Não estou falando nesse sentido, Jung Hoseok! — disse com a voz baixa — Talvez seu pai esteja certo e Yoongi seja muito mais “partidão” do que eu, talvez você esteja errado e timidez seja algo realmente ruim para qualquer relacionamento conseguir se estabelecer! Porque, se timidez não fosse um problema, eu conseguiria te dizer mais facilmente que eu estou morrendo de ciúmes de você e esse seu amigo bruxo!

E então, a coisa mais sem lógica — na visão de Jungkook — aconteceu.

Jung Hoseok parecia que ia morrer sem fôlego de tanto rir.