Capítulo 1 - You're not here

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[Pós gravação do episódio 8 - 2ª temporada]


- Filho da puta! Grande filho da puta! – Itziar gritava tais ofensas enquanto socava o saco de boxe que ficava pendurado na academia do estúdio onde era gravada a série que atualmente atuava, La Casa de Papel. Naquele pequeno lugar onde estavam dispostas algumas esteiras e pesos para atividades físicas era onde Itziar descarregava toda a tensão que se acumulava em seu corpo diariamente antes ou depois das longas gravações, era onde descontava sua raiva e frustração por milhões de coisas que aconteciam dentro e fora de cena e também onde conseguia, mesmo que por míseros segundos, desligar sua mente de toda e qualquer coisa que a atordoava. E naquele momento, tinha os punhos cerrados fortemente dentro da luva e socava o saco de boxe com toda raiva dentro de si, porque queria livrar-se dela, queria conseguir fazer com ela saísse de si naquele momento enquanto dava tudo de si a cada soco que deferia no saco, mas a cada minuto que parava em busca de fôlego, sentia-se mais frustrada por perceber que toda aquela mistura de sentimentos ruins ainda estavam intactos dentro de seu peito.- Ei, ei, ei! – Najwa adentrou a pequena academia após ver a amiga dar uma sequência surpreendente de socos no saco como se fosse a coisa mais normal do mundo. – O que diabos está fazendo? – Perguntou à Itziar e sentou-se num banco próxima a onde a outra mulher estava.- Treinando. – A loira responde seca, bebendo um pouco de água de sua garrafa e voltando a socar o saco.- Itz. – Najwa a chama, sendo completamente ignorada. – Itz! – Fala mais alto, mas a intérprete de Lisboa sequer a olha. – Itziar Ituño que merda está acontecendo? – A ruiva levanta de onde está e segue até a amiga, segurando-a pelos braços e forçando-a a olhá-la.- Por Deus, porque essa preocupação repentina? – Itziar falou grosseiramente, tirando as luvas das mãos e jogando-as dentro da caixa que costumava ficar no canto do armário.- Repentina? – Najwa riu inconformada, dando meia volta e procurando seu cigarro na bolsa. Após acendê-lo e tragá-lo, virou-se novamente para a loira. – Você saiu como uma louca do estúdio após a última cena com o Álvaro e simplesmente... – Num lampejo de segundo a ruiva calou-se. Uma ideia besta, porém inteiramente cheia de sentido apoderou-se de sua mente, o que a fez encarar Itziar por longos minutos ainda sem terminar sua sentença, causando estranhamento por parte da loira, que veio sentar-se ao seu lado e tomou-lhe o cigarro da mão.- Que? – Perguntou à ruiva, que ainda a encarava com os olhos semicerrados e o cenho franzido.- Está rolando algo entre você e o Álvaro? – Najwa perguntou diretamente, sem sequer pensar nas consequências daquela pergunta e muito menos da resposta que Itziar daria.- Que merda você está falando? – Itziar levantou-se do banco que estava sentada, jogou o cigarro fora e olhou completamente indignada para a ruiva. – Najwa, você acabou de ouvir o que me perguntou? - Eu tenho plena noção do que perguntei. – Respondeu. – O que eu não tenho uma gota de noção é do que está acontecendo com você e por qual motivo você está socando essa porcaria de saco todo santo dia após o fim das gravações! – A ruiva disse exasperada. – Até que por fim, nesse exato momento, um raio de luz, não sei se branca ou negra, pairou sobre minha mente e me fez pensar que talvez exista uma pequena possibilidade de estar acontecendo algo entre vocês, levando em consideração o quão alterada você ficou com a gravação da cena de hoje junto com ele e a maneira como saiu do estúdio.- Sabe de uma coisa? Está tarde e eu preciso ir embora! – Itziar falou, juntando sua mochila e o moletom que estava jogado numa cadeira.- Você sabe que fugindo sem me dar uma resposta concreta só vai confirmar cada uma das loucuras que estão se passando pela minha cabeça, não sabe?- A única coisa que eu sei é que tudo o que você está dizendo te faz soar como uma louca.- Itz, você sabe o que eu estou querendo dizer! – A ruiva tentou mais uma vez.- Não Naj, eu não sei! Não tenho sequer ideia de onde você quer chegar com esse lampejo de ficção que passou pela tua cabeça. – Ela falou, demonstrando-se cansada. – Eu sou casada, ele também, achei que nossos casamentos não fossem segredo para ninguém, mas pelo visto você ainda não está sabendo desse fato.- Sabe uma coisa que é segredo além dos respectivos casamentos de vocês? O que você aparentemente está sentindo e enfrentando sozinha dentro desse seu coração e não fala uma palavra sequer para mim. Itz, eu sou sua amiga, hermana do coração, lembra? No final de sua frase, Najwa arrependeu-se de ter sido extremamente direta. Ela sempre soube desde o começo que o relacionamento de Itziar com Roberto nunca tinha sido um mar de rosas, que eles viviam em constantes brigas e naquele momento, estar vendo lágrimas brotarem nos cantos dos olhos da amiga lhe apertou o coração.- Perdão... – Falou arrependida, aproximando-se da loira. – Eu não quis ser grossa ou insensível, me desculpa! – Lamentou-se. – Eu só quero que saiba que estou aqui por você e de braços abertos sempre, a única coisa que eu mais quero nesse mundo é a sua felicidade, Itz. Itziar nada respondeu, sua única reação foi jogar-se nos braços da amiga e apertá-la num abraço, o qual ela estava necessitada. Sabia que poderia contar com Najwa a qualquer momento de sua vida, fosse ele bom ou ruim, pois a ruiva era como uma irmã de sangue e uma pessoa por quem colocaria a mão no fogo. Não recordava-se em qual momento da vida tornaram-se tão amigas, mas sabia que tudo aquilo havia se intensificado mais quando Itziar foi escalada para interpretar Raquel Murillo em La Casa de Papel, futuramente tendo Najwa atuando na mesma série.- Nós precisamos ir, está tarde e eu tenho certeza que só nós duas estamos aqui ainda. – Itziar falou, soltando-se dos braços da ruiva e sorrindo para ela.- Concordo. Estou acabada! Essa semana foi intensa, não acha? – Perguntou, numa tentativa falha de descontrair o clima tenso que anteriormente havia se instalado entre elas.- Finalmente o tão aguardado sábado chegou. Essa semana parecia não ter fim! – A loira complementou e logo chegaram ao estacionamento. – Te vejo amanhã ou já tem planos? - Planos no final da noite, mas almoçamos juntas, certo? – Najwa disse, já seguindo para seu carro, que estava no mesmo lugar de sempre.- Combinado! – Itziar piscou rapidamente para a ruiva e ambas entraram em seus respectivos carros, saindo do estúdio e cada uma seguindo seu caminho. Itziar ligou o rádio no segundo em que sentou no banco do carro. Era muito mais que um hábito, diríamos que era uma questão de sanidade e necessidade, pois há alguns meses havia passado a odiar o silêncio. Não o silêncio em si, mas os pensamentos que dominavam sua mente na quietude desses momentos e ali, dentro do carro, mesmo com a música mais barulhenta que poderia colocar, tudo dentro de si vibrava ao pensar nele e, por maior que fosse o seu esforço para não se render aquilo, era impossível. Álvaro fazia parte dos pensamentos de Itziar, era involuntário pensar nele em qualquer momento que fosse, assim como era involuntário piscar ou respirar. Ele era uma espécie de caixinha secreta na vida da loira onde ela o guardava a sete chaves, tentando mantê-lo ali desde o primeiro segundo, mas por menor que fosse aquela caixinha, ela ocupava a maior parte de seu coração e de tudo o que fazia a vida dela ser como era. Por menor que fosse aquela caixinha, o sentimento preso dentro dela era maior do que até mesmo a loira podia imaginar.


***


[4 horas antes – Gravação da cena em que Raquel diz a Sérgio que está com ele]


- Vamos todo mundo! – O diretor chama a atenção de alguns atores que estavam fazendo uma pequena para irem ao banheiro e se alimentarem. – Última cena do dia, Álvaro e Itziar, por favor, se posicionem! – Dizia ele eufórico, animado e numa agitação que sempre o motivava em todas as sextas feiras. – Repassando rapidamente, prestem atenção. – Pediu atenção do casal em cena. – Raquel irá dizer ao Sérgio que está com ele e o mesmo perguntará se pode confiar nela, ela dirá para ele se aproximar e irá beijá-lo. E em seguida você fará o que, Álvaro?- Eu me afasto, pergunto se ela tem certeza disso, ela diz que sim e então eu a beijo. – O rapaz completou a narração da cena. Era um hábito que o diretor tinha, pois ele acreditava que quando os atores verbalizavam as cenas que atuariam, a atuação em si sairia melhor.- Perfeito! – Ele bateu palma algumas vezes, empolgado até demais e logo um auxiliar veio ajudar a prenderem os braços de Raquel para cima, para enfim poderem dar início aquela gravação. – Todos posicionados! – Pediu e esperou que os câmeras e Álvaro ocupassem seus lugares. – Ação! – Gritou.


Raquel: "Tem que me deixar falar com Angel. Senão, em 15 minutos ele vai falar com a polícia, vai dizer onde você está. Posso impedir que o faça. É a sua única chance!"Sérgio: "Por favor."Raquel: "Trata-se de evitar que seu plano perfeito vá à merda."Sérgio: "Deixa-me pensar, por favor."Raquel: "Não há nada para pensar... Sérgio... Estou com você."Sérgio: "Há um minuto estava gritando e mordendo como um animal. Posso confiar em você?"Raquel: "Venha. Chegue mais perto."


E então o beijo aconteceu. Itziar, com as mãos presas e seguindo perfeitamente o script e as instruções, sentiu a tensão do momento ao dar-se conta de que Álvaro havia pulado a parte fundamental da cena, segundo o diretor. Ele deveria interromper o beijo e perguntar a Raquel se mudar para o lado dele e agir contra as polícias era uma certeza absoluta, mas não, o intérprete de Sérgio envolveu a cintura da loira aprofundando ainda mais aquele beijo que deveria ter durado menos de um minuto. Então, de maneira natural, o beijo foi cessado por ambas as partes e ao fim, houve uma troca de olhares. Itziar sentia seu coração bater tão forte no peito que parecia que a qualquer momento o mesmo rasgaria seu tórax, enquanto Álvaro respirava ofegante ainda com seus olhos presos nos da mulher também ofegante a sua frente.Não houve corte ou interrupção de cena, não houve um diretor furioso pelos atores terem pulado uma cena a qual ele havia planejado perfeitamente. O que houve foi uma salva de palmas dele após encerrar a cena enquanto se aproximava.- Vocês dois são espetaculares! – Ele deu um abraço em Álvaro demonstrando toda a sua animação enquanto os braços de Itziar eram desamarrados, em seguida a parabenizando. – Eu não sei qual de vocês dois teve essa ideia de não interromperem o beijo e depois se comunicarem por olhares para fazer com que os fãs e telespectadores enxergassem naquela troca de olhares a confiança que ambos tem um no outro, eu só sei que devo parabenizar os dois, não importa mesmo de quem foi a ideia, eu só quero agradecer por se entregarem tanto a esse casal como vocês se entregam. – Dito isso, ele agradeceu mais uma vez e despediu-se rapidamente. Itziar estava imóvel no mesmo lugar mesmo depois de ter sido solta. Ela sequer conseguia dar um passo, pois acreditava que se o fizesse, suas pernas falhariam consigo mesma e ela provavelmente cairia ali. Estava nervosa, desacreditava, seu estômago revirava e um sentimento estranho se apoderava de seu peito. Após longos minutos, que pareceram eternos, conseguiu mover seus pés e dar passos para longe dali. No mesmo minuto ouviu Álvaro pronunciar seu nome. O mesmo tentou segurar um de seus braços, mas ela escapou de suas mãos como se fosse grãos de areia. Naquele momento, o homem sentiu seu coração encolher-se e reduzir-se a uma semente ou a uma migalha qualquer. Itziar sequer dirigiu seu olhar a ele depois do final da cena e muito menos antes de cruzar a porta que a levaria para fora do estúdio e sem saber muito bem como agir ou reagir, correu atrás dela, tendo a chance de vê-la entrar num pequeno cômodo onde estava montada uma pequena academia para os atores que gostavam de exercitarem-se antes ou depois das gravações. Então, ele preferiu deixá-la a sós, sabia que havia cruzado uma linha perigosa e que tinha colocado muitas coisas em risco, mas Álvaro já não podia mais continuar nadando no mar de incertezas que sua vida podia ser comparada, ele precisava reagir ou continuaria sendo levado pela correnteza das suas indecisões e se afogaria brevemente se uma decisão não fosse tomada.

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