Capítulo 5

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Carmem

Não faço ideia do porquê James me trouxe na casa dos seus pais — que são uns verdadeiros amores — se não parou de bajular sua amiguinha de infância nem um segundo desde que ela chegou. Fomos apresentadas pelo meu noivo postiço, mas não dei muita confiança, segui dona Kira para a cozinha. Os dois ficaram sentados na sala e vez ou outra olham na minha direção enquanto ficam de segredinho, a impressão que tenho é que estão falando de mim. A cadeira que estou sentada fica de frente para a porta da sala, devia ter escolhido outro lugar, bem longe deles.

Essa tal de Clara é tão descolada que até tatuagem tem, fora que é linda de morrer. Enquanto eu, por mais que tente mudar, não perco essa minha cara séria de santa puritana. Nada adianta, acho que só nascendo de novo. Yudiana até levou nossa mãe e eu em um salão de beleza para uma mudança radical no visual, mas em mim não surtiu muito efeito.

— Acho que deveria ter cortado mais o cabelo naquele dia, droga! — bufo desaminada, olhando meu reflexo pela tela apagada do meu celular sobre a mesa. Desde que me lembro tenho esse cabelão enorme.

Na minha antiga igreja, papai sempre dizia para todas as irmãs que iam na pregação que é pecado cortar o cabelo. Por isso, o máximo que sempre tirei foram as pontas.

— Você disse cortar o cabelo? Deixa comigo, filha, aqui em casa sou eu que corto o do meu velho e do nosso ruivinho. — Dona Kira para de mexer seu molho feito com tomate fresco para a lasanha do almoço e me encara com brilho nos olhos, suas bochechas coradas são fofas assim como sua voz amorosa, o que deixa impossível de se dizer não.

Sem pensar, disse que sou noiva de James só para deixar a mãe dele feliz, mesmo que por pouco tempo, até descobrir a mentira. Um sorriso lindo como o dela não se deve deixar apagar nunca.

— Claro! Por que não? O corte vai ser escolha da senhora. Depois de sentir o cheiro maravilhoso desse molho de tomate que está cozinhando, confio em qualquer coisa feita pelas suas mãos. — Ela bate palminhas, nunca vi ninguém ficar tão animada com apenas um corte de cabelo.

— Vem olhar minhas panelas, Jorge, que eu vou cortar o cabelo da minha nora! — grita chamando pelo marido na maior altura; em segundos, ele aparece na porta com os olhos castanho-escuros arregalados.

É incrível como James puxou muito pouco do pai, senhor Jorge é moreno, alto, magro dos olhos escuros. Tem uma expressão doce e acolhedora, assim como a da sua esposa. Sinto-me muito estranha em dizer isso, mas me sinto em casa aqui.

— Tem certeza disso, minha filha? Ainda dá tempo de fugir da tesoura da minha esposa. Nunca vi alguém gostar de cortar cabelo igual a ela, uma vez foi aparar as pontas do cabelo da Clarinha quando era criança e quase deixou a melhor amiga do nosso filho careca, não é, James? — fala com o filho, mas ele está entretido demais na conversa com a Clara para dar atenção para nós.

Tento não demonstrar meu desconforto com a situação, então, desvio o olhar do casalzinho e sigo o ritmo da nossa conversa.

— Tudo bem, senhor Jorge, sei que estou em boas mãos. O que mais quero é ver uma cara nova no espelho todas os dias quando acordar de manhã, mesmo se for uma careca já está ótimo. — A cozinha é tomada pelas risadas dos meus sogros de mentirinha, são duas figuras. — Mas vamos deixar essa arte para fazermos mais tarde, vou ajudar a senhora com o almoço. Me deve essa, seu Jorge! — Pisco para ele, que pisca de volta para mim e sai de fininho enquanto pode.

— Está bem, minha nora, é até bom que eu vou pensando em qual corte faço no seu cabelo. Hoje à noite tem festa junina na cidade, é tradição da nossa família ir todos os anos. Quero te deixar ainda mais linda para que os melhores amigos do meu filho morram de inveja da garota dele.

— Engraçado, pensei que James só tinha "Clarinha" como melhor amiga. — Mordo a língua, era para ter sido um pensamento irônico não dito em voz alta.

— Acho que tem alguém aqui com ciúmes do meu menino, não? — Dona Kira solta uma risadinha, eu logicamente fico roxa de vergonha.

Ela me entrega um prato com duas cebolas descascadas com uma faca, sento-me na mesa novamente e começo a cortá-las.

— Eu? Com ciúmes do seu filho? Jamais! Não temos problemas com esse tipo de coisa — minto na cara dura mesmo.

— Eu não nasci ontem, filha, está na cara que você e o meu filho estão loucamente apaixonados. Mas ainda tem alguma barreira entre vocês que precisa ser quebrada para que vivam uma linda história de amor.

— Não tem nenhuma barreira entre mim e o seu filho, Dona Kira. — Abro um sorriso amarelo.

Ela obviamente não acredita.

— Seja qual for o motivo da tristeza que carrega atrás desse olhar meio perdido, é hora de deixar tudo de ruim que aconteceu para trás e seguir em frente. Mas para conseguir seguir em frente precisa não somente perdoar aqueles que te fizeram mal, como a si mesma. — Ela se aproxima de mim com seu jeitinho de mãezona e limpa uma lágrima que nem percebi que deslizava pelo meu rosto.

Me conheceu hoje e consegue me enxergar como sou de verdade, suas palavras tocam meu coração de um jeito inexplicável. Perdoar os outros não é tão complicado quanto as pessoas pensam, perdoar a nós mesmos quando reconhecemos o quanto erramos ao longo da nossa vida é que é realmente difícil.

— O que aconteceu, Carmem, por que está chorando? — James enfim lembra que eu existo e aparece na cozinha, mas traz sua amiguinha com ele, então finjo que não escuto.

— Claro que ela está chorando, filho, mas é por causa da cebola, seu bobinho. — minha cúmplice me acoberta, esperta feito uma raposa, mas nós duas sabemos que o verdadeiro motivo é outro.

— James comentou comigo que você trabalha num bar, Carmem, apesar de ser uma loucura deve ser muito legal também — Clara diz, puxando a cadeira e o assunto, para sentar do meu lado, só falta querer virar minha amiguinha agora.

— Não posso dizer que é um trabalho incrível, mas tem sim seus dias divertidos, passa todo tipo de gente louca por lá. — Ela sorri do jeito que falo, está se esforçando para ser simpática, até pega uma faca e me ajuda a picar as cebolas.

— Eu sei bem como é isso, Carmem, sou mecânica em uma oficina e passa todo o tipo de gente louca por lá também.

— Nossa, você trabalha como mecânica em uma oficina? Que incrível, meus parabéns! — Fico admirada, é muito difícil ver uma mulher trabalhando em profissões que são, em massa, dominadas pelos homens.

— Verdade, eu também acho seu trabalho incrível, Clara — James se intromete na conversa, pega uma ameixa no cesto sobre a mesa e vem sentar conosco, parece feliz de ver nós duas interagindo.

Emburro na mesma hora, eu estava até simpatizando com a garota. Mas é só ver ele babando em cima dela que me enfureço, acho que ela percebe, porque logo dá um jeitinho de ir embora.

— Bom, eu já estou indo nessa, galera, nos vemos mais tarde na festa junina. Foi um prazer imenso te conhecer, Carmem, merece uma medalha de ouro por conseguir aturar essa mala. — Clara empurra James, fazendo charme, ele por sua vez começa a fazer cosquinha nela.

— O prazer foi todo meu, "Clarinha". — Abro um sorriso falso.

Concentro-me em picar minha cebola e nem vejo quando ela vai embora. James resolve ficar na cozinha para nos ajudar com o almoço, o pai dele logo se junta à turma. Agora, a festa está completa.

Eu e o meu noivo fajuto estamos meio sem jeito um perto do outro, essa mentira de noivado foi uma idiotice sem tamanho da minha parte. Agora não sabemos como agir na frente dos seus pais; a mãe dele, no fundo, parece que sabe e fica inventando motivos para nos juntar de verdade. Porém, por um segundo paro e fico apenas observando os três rindo e brincando, conversando sobre amenidades do dia a dia. São lindos demais juntos. Eu poderia me acostumar facilmente com isso...

Fazer parte dessa família.


O Guarda-costas  ( Spin off da Trilogia Homens da lei)Onde histórias criam vida. Descubra agora