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Olhava a paisagem correndo por mim enquanto meu irmão dirigia. Eu havia acordado querendo desistir de tudo e voltar pra minha cama até o meu professor chegar. Mas mamãe não deixara e agora eu estava indo até meu martírio.

Meu coração batia acelerado desde a hora em que entrei no carro e eu estava com medo de ter alguma crise de ansiedade, ou de pânico. Lipe também havia sentido, por isso uma música clássica tocava no carro. Minha psicóloga havia dito que músicas calmas me acalmariam a tempo de me salvar de crises, desde então, era um ótimo recurso para todos nós. Não eram minhas músicas favoritas, mas eu não podia reclamar quando elas me salvavam daquele inferno.

Sinto o carro diminuir a velocidade e coloco minha atenção para a grande construção de tijolos abarrotada de adolescentes que se coloca em minha frente. Minhas mãos suam e minhas pernas começam a tremer. Lipe coloca sua mão na minha, apertando - a enquanto estaciona o carro.
"Vai ficar tudo bem, Any. Eu te prometo. Qualquer coisa eu estarei no andar de cima, é só me chamar que eu irei, okay?"
Assinto, ainda não segura sobre estar aqui. Sinto um beijo em minha têmpora e abro a porta do carro, caminhando para fora. A brisa gelada e o céu atipicamente nublado condizia com o que eu sentia.
Estendo a mão para Lipe que a segura firme, me passando um pouco mais de tranquilidade. A escola é barulhenta e meus ouvidos doem. Meu corpo ainda treme e sou arrastada por meu irmão para dentro. Ele me guia por entre as pessoas, até a reitoria. Lá, pego meu horário e retorno para fora, indo em direção a minha sala. A sala ainda está vazia e eu respiro aliviada pelo silêncio que ela me proporciona. Lipe me vira para ele, beijando minha testa. Se afasta para me olhar e abre um sorriso confortante.
"Eu estou no andar de cima, me chama se precisar de qualquer coisa, tá bom? Eu estou aqui. Se cuida e não deixa ninguém te tratar mal."
Assinto. O ambiente estranho me inibia de falar com ele e ele compreendia, pois apenas me abraçou e me deu uma última olhada antes de seguir seu caminho.
Sigo para uma mesa no fundo da sala e coloco meus fones de ouvido. Distraída com o livro que levei para a aula, não vejo o tempo passar. Só retomo para onde estou ao ver uma menina alta e negra sentar - se na minha frente. Ela tenta não olhar, mas a pego me olhando esporadicamente, provavelmente estranhando - me ali. Quando ela percebe que a vi me olhando, me abri um largo e simpático sorriso, que me vejo impossibilitada de não retribuir, ainda que com um sorriso bem mais contido.

"Diarra, prazer" Entro em desespero pois sei que não vou conseguir respondê - la. Posso ver em seu rosto que ela percebeu meu desconforto, pois suas sobrancelhas vincam em preocupação.
"Você não consegue falar, é isso?" Assinto, mas faço um sinal de espera com as mãos, pegando uma folha e uma caneta na mochila. Escrevo um bilhete e lhe entrego.
"Eu consigo, mas não com todo mundo e não com gente que eu não tenho confiança ou não conheço."
Compreensão passa por seus olhos e ele abre um sorriso confortante. Sorrio de volta, um pouco incomodada com os resquícios de pena que vejo em seus olhos.
"Bom, sendo assim, espero que você consiga confiar em mim logo." pisca, divertida e volta seu corpo para frente. Sorrio feliz por ter tido contato com alguém já no primeiro dia de aula.

Quando a sala já está cheia, um homem barbudo e baixinho entra as pressas na sala, um pouco estabanado. Ele coloca suas coisas em cima da mesa e inspira fundo, abrindo um sorriso em seguida.
"Bom dia, classe. Vocês ainda não me conhecem, eu sou o professor Ramiro e darei aula de história pra vocês."
Após sua apresentação básica, ele desatou a falar. Eu ouvia cada palavrinha que ele dizia, encatada com as histórias, como sempre fui. Mas, mesmo encantada, nada me impediu do pânico ao vê - lo olhar pra mim e perguntar, em alto e bom som.
"Senhorita Any, não é? Poderia dizer para nós do que os homens da Era Paleolítica viviam?"
Eu sabia a resposta. Já tinha lido mais livros de história do que poderia contar nos dedos. Mas, meu corpo travado e meu coração acelerado me impediam de responder qualquer coisa.
Vendo o seu rosto tornar - se impaciente e minha respiração acelerada, Diarra levantou - se de seu lugar e foi até o professor, sussurando próximo ao seu ouvido. Enquanto Diarra falava, podia ver a compreensão chegar nos olhos do Sr. Ramiro, e quando ela voltou para seu lugar, a olhei muito agradecida. O professor, balançou a cabeça em concordância e passou a pergunta para outra pessoa.
O episódio foi o suficiente para que todos na sala me olhassem. Escondidos, mas podia sentir todos os olhares. E foi sufocante passar os trinta minutos restantes naquela sala, com tanta atenção em mim.

Assim que o sinal de troca de aula bateu, eu corri para fora. Sei que não era o mais adequado, mas eu precisava desesperadamente de ar. Me encosto na parede ao lado da porta, puxando o ar com calma, até normalizar minha respiração. Volto para a sala, recebendo alguns olhares. Tento fingir que não vejo, sentando - me atrás de Diarra novamente. Ela vira para mim, pegando minha mão entre as suas, apertando - a.

"Fica tranquila, okay? Qualquer coisa, me chama." Sinto a súbita vontade de chorar vir, com o carinho de uma pessoa que não conhecia. Me forçou a dizer alguma coisa, meu coração confiando completamente na desconhecida.
"O-obrig-gada" Sussuro, tão baixo que eu passo a duvidar se ela realmente me escutou.
A julgar pelo seu olhar grato e um pouco surpreso, tenho certeza que sim.

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