Aconteceu no outono

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What am I supposed to do without you?

Is it too late to pick the pieces up?

Too soon to let them go?

Do you feel damaged just like I do?

Your face, it makes my body ache

It won't leave me alone

(Always - Gavin James)

O vento soprava. As árvores dançando faziam folhas caírem, num balé ritmado junto à brisa, colorindo o chão. Sinto algo pairando no ar. Uma sensação, quase como uma presença, me rondando desde o momento em que abri os olhos hoje pela manhã. Não consigo explicar, e acho que enlouqueci de vez, pois a friagem pinicando meu rosto como pequenas agulhas, parece sussurros de uma voz rouca - que eu reconheceria até no meio de uma multidão - falando palavras ininteligíveis, me envolvendo com a sensação de que algo está prestes a acontecer. Não me causa uma impressão ruim, apenas estranha. Fecho os olhos e respiro fundo, apertando forte o casaco contra meu corpo, não sei se tentando espantar o frio ou essa antecipação, ambos provocando arrepios em minha espinha. Observo mais uma folha despencando, bailando no ar. A temperatura caiu bruscamente essa madrugada e a cidade está com uma pequena camada de neve nesta manhã, o que deixa tudo ainda mais bonito. O inverno chegou mais cedo, roubando do outono seus últimos dias. O vermelho e o laranja misturados ao branco, me forçou um meio sorriso. Houve uma época em que eu ansiava por essa estação do ano.

Lucas foi quem me mostrou como admirar o vento nas árvores. Não sei exatamente quando isso se tornou um hábito em minha vida, mas, desde a infância, nosso passatempo preferido era sentar na frente do lago e ficar ouvindo o farfalhar das folhas, observando o balanço das copas enquanto a brisa soprava pelos galhos e troncos. Foi ele também quem me fez perceber o quanto as cores melancólicas do outono me atraiam. Era especialmente mágico quando a paisagem da cidade mudava para folhas amarelando e caindo nas ruas. O outono me trazia lembranças boas com ele. Hoje... já não consigo sentir o mesmo, as cores não despertam memórias felizes. Elas perderam o brilho no dia 12 de junho, mesmo depois de tanto tempo.

Observo a rua enquanto fumo meu cigarro. São 16:40h, e já estou a 10 minutos esperando Dulce para tomarmos nosso cappuccino italiano, no Café Esperança. Sei que essa data também é difícil para minha sogra, mas não posso esperar por muito tempo, logo tenho que voltar para meus pacientes, e quero sair desse vento. Apesar de estar bem aquecida, me arrepio todas as vezes que uma lufada toca meu rosto, única parte do corpo ainda descoberta. Levo meu cigarro até a boca e dou uma tragada.

Esperança é uma típica cidade pacata do interior, pequena o suficiente, onde todo mundo se conhece. O comércio é abastecido pela produção local, artesanatos ou alimentos, e por pessoas que se ajudam. Ela se mantém com as plantações de girassóis, nosso cartão postal; somos um dos maiores produtores da região, garantindo um balanço positivo para a economia da cidade. Todas as minhas amigas foram embora, diferente delas, nunca tive vontade de sair daqui. Lucas também amava esse lugar e planejamos criar nossos filhos em Esperança. Perdida em meus pensamentos, dou mais um trago no cigarro, e não vejo quando Dulce se aproxima.

― Você não tinha parado de fumar?

― Parei. ― Dulce me olha e aponta para o cigarro.

― Eu estou delirando, então? Porque, o que estou vendo em sua mão, é um maldito cigarro!

Suspiro contrariada e apago o pequeno cancerígeno no canteiro ao lado da porta, guardando a bituca no bolso do casaco para jogar fora depois. Dulce odeia cigarros, e ela tem muitos motivos para isso. Eu realmente parei de fumar há 7 anos, mas sempre fumo no dia dos namorados. De alguma forma isso me faz sentir mais próxima de Lucas.

Aconteceu no Outono (Degustação)Where stories live. Discover now