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Sinto como se eu estivesse sendo guiado de volta a vida pela primeira vez desde que Clarice se foi.
Desde que tive que aprender a conviver com a ausência do seu olhar.
Meu coração está mais leve. Tenho medo de ser injusto com a memória de minha esposa, mas sinto como se eu estivesse esperando por Leila para renascer. Seu sorriso derrubando cada parede que construí em torno do meu coração para me proteger de eventuais dores e decepções.
Quando a gente não cria expectativas não há sofrimento.
Aprendi isso na prática quando tentei um relacionamento amoroso com Jéssica, dois anos após o acidente. Ela era uma bela mulher trabalhava com editoriais e sua criatividade foi o que chamou a minha atenção em primeiro lugar.
A conexão foi natural, ao menos para mim. Levei meu tempo a conhecendo ou achando que estava fazendo isso, antes de introduzi-la no meu dia a dia e rotina com Júlia. Nunca escondi minha filha, era de conhecimento público que eu tinha uma menina e Jéssica sabia disso.
Meu erro morou justamente aí e me arrependo todos os dias de tê-la deixado entrar em minha vida.
Em nossas vidas.
Júlia tinha apenas oito anos e mesmo com a dor da perda da mãe abriu o coração para Jéssica. Assim como eu o fiz. Quando fizemos um ano juntos ela mudou para minha casa e foi inserida dentro da nossa rotina como uma peça que faltava.
Mal podia imaginar que pouco tempo depois minha filha seria demais para ela.
Minha deficiência seria demais para ela.
E então ela nos deixou. Estou sozinho desde então.
Fiquei amargurado não por tê-la perdido, porque no final das contas nunca a tive. Me amargurei por ter permitido que ela entrasse em nossas vidas e machucasse Júlia. Vivo isolado desde então e longe de mulheres porque jamais colocaria minha filha nessa situação de novo.
A casa de repente ficou grande para nós dois mesmo tendo o mesmo número de cômodos e nada no espaço ter mudado. Em um intervalo curto de tempo ela perdeu duas figuras que tinha como exemplo e uma terceira vez não seria aceitável.
Eu não amei Jéssica, sua presença era agradável e nada mais. Era fácil com ela, sem desafios e simples. Exatamente o que eu precisava no momento. O fato de ela gostar da minha filha foi o que me manteve com ela por mais tempo.
Desde então vivo isolado na fazenda porque eu imaginei que aqui eu não veria ninguém, afinal mal coloco meus pés no centro e nunca vou as feiras que acontecem ocasionalmente na praça.
Eu não iria mais atrás de amor logo eu não o encontraria.
Quão enganado eu poderia estar?
Quanto eu errei quando percebi que mesmo não indo atrás eu correria o risco de que viesse atrás de mim?
Literalmente na porta da minha fazenda com seu pequeno corpo apertado em desespero por ter seu pedaço de merda quebrado há quilômetros de distância. A tratei mal é claro, numa tentativa de que se eu fosse grosso o suficiente ela apenas desapareceria no ar.
