A + B

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É tão bom morrer de amor e continuar vivendo.

Mario Quintana

I

Não se lembrava de que momento havia adquirido consciência de sua própria existência.

O que havia acontecido era que, em algum momento durante os milhares de anos de sua vida, simplesmente havia percebido que possuía uma forma. Para os humanos, só poderia ser observado durante uma madrugada de céu bem limpo que estivesse sem nuvens e com uma lua mais tímida do que a de costume. Seria como um minúsculo pontinho na escuridão. Chamariam de estrela, mas se fosse estudado com mais atenção perceberiam sem muita dificuldade que não se encaixava em nenhuma constelação conhecida.

Não falava, e tudo que pensava era em um dialeto que havia desenvolvido ao longo dos anos. Sua linha de raciocínio era bem instintiva e rudimentar. Era mais pautada no que sentia em seu íntimo composto por hélio e hidrogênio. Também não possuía percepção de tempo e espaço. E, caso quiséssemos nomeá-lo, apenas por questão de identificação para essa narrativa, seria algo mais parecido com o caractere A nos idiomas terrenos.

Não tinha sexualidade, nem gênero. Sua existência se arrastava sem grandes complexidades. Somente sobrevivendo.

Até que A percebeu que era cercado por seres como si próprio e isso o obrigou a expandir sua visão. Conseguia enxergar cinco astros ao seu redor. Estavam bastante longe, mas ele conseguia sentir em seu âmago o poder de atração de cada um deles sobre seu corpo.

Curiosamente, não foi nenhum desses cinco astros que despertou a curiosidade de A. Uma luminosidade única e peculiar começou a sugar a atenção dele dia após dia.

O ser que emitia tal luminosidade era encoberto por um dos cinco astros. Mesmo assim, A sentia uma coisa estranha dentro de si toda vez que imaginava quem emitiria tal luz. Quase como um formigamento. Sua mente começou a focar cada vez mais naquele ponto específico do universo. Aquela luminosidade arroxeada com um leve filete de verde em suas bordas.

Ele sentia cada vez mais seu pensamento ser transportado até lá. Como se fosse capaz de se mover por trás do astro que enxergava e conseguir ter o deleite de ver o corpo celeste que, misterioso, permanecia encoberto. Em uma dessas suas projeções de pensamento, A sentiu que havia entrada em contato direto com o astro oculto. O primeiro contato entre os dois havia sido estranho. Nenhum deles sabia que era possível haver esse tipo de comunicação. Não se ligaram através de palavras, mas com projeções de cores. A ainda não havia sido capaz de saber como seria a forma exata daquele ser, mas havia gostado muito daquela sensação, de dialogar.

Eles continuaram a se visitar em pensamento cada vez mais frequentemente. As projeções foram ficando cada vez mais complexas. De cores, eles passaram a transmitir imagens mais trabalhadas. Foram se conhecendo cada vez mais. A havia apelidado o outro ser como Bê.

Ambos permaneceram como companheiros de conversa durante muito tempo.

Até que A percebeu que seu corpo começara a expandir. E ele próprio exalava uma coloração vermelha. Sentia que pouco a pouco ia deixando de existir e dividiu sua preocupação com Bê. Eles tiveram uma última conversa preocupada por parte dos dois. A ficou tão fraco após um tempo que não conseguia mais se comunicar com Bê. Sua última visão foi a luminosidade arroxeada que tanto gostava. A percebeu que o tom avermelhado que havia entranhado nele próprio também estava presente na luz de Bê.

Dessa forma, de um momento para outro, assim como havia adquirido consciência de sua própria existência, A deixou de existir.

II

A + BWhere stories live. Discover now