Envolvida pela serpente

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Tia Jemima pagou um carro de aluguel para que Tempest se deslocasse em segurança. Ela dissera não ser necessário, mas a tia foi tão assertiva – e a jovem não tinha como dizer "não". Passou tantos anos recusando o amor e o cuidado dela que sentiu a necessidade de permitir aquele mimo.

- Um dos meus cavalariços levará o cavalo até sua casa, não se preocupe.

Voltou para casa pensativa e com dúvidas: não deveria ter fugido de Snake após o beijo – e o murro... Mas era a reação mais plausível para Tempest. Como lidar com um beijo? Com alguém que, em tão pouco tempo, parecia saber exatamente quem ela era, do que precisava, quais eram seus sentimentos? Na verdade, os dois eram mais parecidos do que supunham; e era por isso que se deram bem desde o primeiro instante.

Mas o beijo não estava incluído. E Tempest precisava ouvir alguma palavra, alguém, que pudesse ajudá-la a entender aquilo que, com outras pessoas, ela percebia de forma cristalina. Mas sua mente não queria admitir, especialmente porque Tempest foi criada sabendo que o amor em sua vida era algo trágico. O seu pai não veio de uma relação de amor. A sua concepção veio de duas pessoas que se amavam, mas jamais puderam realizar isso porque a morte, a sociedade, entraram no caminho deles. Por que a ela seria dado esse privilégio? Suas irmãs, bem ou mal, tiveram ao menos sua mãe, a proteção da tia... Ela fora arrancada dos braços de Elinor sem ter a chance de ser acarinhada pela mulher que a gerou.

Arthur Danglier era um homem bom e a amou por dois. Mas eles sabiam que Tempest precisava de sua mãe. E por anos, ela jamais perdoou Robert por isso.

Mas suas irmãs eram tão boas, tão agradáveis, cada uma delas guardando um pedaço de sua mãe, que Tempest não sabia como negar o amor que elas queriam lhe oferecer. E após compreender o que havia em seu coração, entendeu o lado de Theresa. Amar era dar uma nova chance para tentar curar as feridas. E a jovem precisava dessa chance.

Entretanto, Tempest aindateria que conversar com Snake e determinar limites. "Sem toques estranhos norosto, sem beijos, sem... 'domar tempestades'... Isso nem pensar".


As reflexões da caçula dos Blair foram interrompidas pelo carro de aluguel, que parou em frente à sua casa.

Ela agradeceu e sairia calmamente até a porta se não fosse interrompido por uma voz familiar.

- Senhorita...?

Virou-se e disfarçou admiravelmente a surpresa em ver o detetive Thomas Brenton e seu indefectível bigode cumprimentando-a com um menear de cabeça e um certo choque do reconhecimento.

- Eu me lembro da senhori- milady! - a mesura foi ainda mais respeitosa. - Nos esbarramos no enterro do duque de Huntington. Detetive Brenton.

- Sim, e reitero minhas desculpas. Lady Tempest Blair, senhor. Aconteceu alguma coisa? Algo perigoso se avizinha no bairro?

- Na verdade, milady, estamos em busca de dois fugitivos que podem estar no entorno da cidade. Pessoas perigosas. Viste algo estranho pela região, barulhos suspeitos em casa...?

- Os barulhos são os de sempre, senhor: pássaros bicando a madeira da janela e crianças jogando pedras no vidro, nada de mais. - mentiu. A melhor forma de desconsiderar as suspeitas sobre algo, de acordo com seu pai, era construindo uma história convincente para o local onde viviam, mas completamente mentirosa.

- Compreensível. - disse Brenton, estranhando o fato da jovem, herdeira de um barão, morar numa casa distante do sobrado dos Blair. Mas preferiu não entabular nenhuma teoria, a sociedade conhecia a fama da "bastarda dos Blair", então provavelmente ela vivia ali por causa da reputação da família.

A Tempestade e a SerpenteWhere stories live. Discover now