PRÓLOGO

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Já é noite quando desembarco o último passageiro no Aeroporto de Guarulhos em São Paulo. Sinto meus pés dormentes depois de um voo de quatro horas de Manaus para a capital paulista. Para piorar, havia uma passageira com uma criança que não parava de chorar, então a onda de reclamações com os comissários do voo parecia interminável. Mexo o pescoço devagar de um lado para o outro escutando estalar e desaperto o lenço azul que está nele. Estou exausta! Depois de terminar as verificações necessárias, pego minha mala para sair do avião e só consigo pensar no quanto desejo deitar em minha cama. Faz seis dias que durmo de hotel em hotel e, por mais que eu ame minha profissão, a escala de trabalho às vezes pode ser cruel. Estou tão cansada que quase me esqueço que tenho algo marcado para esta noite. Meu corpo implora por descanso. Gostaria de dormir hoje e acordar no outono. O calor do verão me perturba.

Faço o pequeno percurso junto com a tripulação do avião até o saguão do aeroporto. Rodolfo parece tão cansado quanto eu e só fala disso.

— O mais engraçado nisso tudo é que não tenho nem o direito de reclamar! — Rodolfo desabafa. Se ele, o comandante do voo, que trabalha na empresa há anos não pode reclamar da escala de trabalho, quem sou eu para falar qualquer coisa. Talvez por isso meu amigo esteja trocando de empresa em breve.

— Pelo menos dessa vez dei sorte! Meu aniversário é depois de amanhã — comento e acabo rindo da expressão de frustração dos meus colegas que ainda terão que enfrentar mais algumas horas antes da tão sonhada folga.

— Sortuda mesmo!

— Com licença, me desculpa, licença! — Um homem passa correndo por nós pela escada rolante, esbarrando em todo mundo. Quase derrubo minha mala, mas a pressa é tão costumeira que nem me irrito mais com a falta de educação das pessoas.

— Esse certamente está atrasado! — Rodolfo comenta.

Conforme vamos subindo pela escada rolante e seguimos para o crew desk, ligo o celular e o coloco no bolso. Noto a agitação próximo ao guichê da AirSky Line, empresa para qual trabalho. Provavelmente algum voo atrasou e isso sempre é motivo para uma grande movimentação. Ao chegar à sala, deixo minha mala no armário, pego apenas a necessarie e vou até o banheiro. Me encaro no espelho por alguns segundos, preciso dar um jeito nessas olheiras antes de sair daqui porque sei que o Leo está me aguardando para jantar. Combinamos isso assim que peguei minha escala do mês, então não posso desmarcar de novo. Ele sempre reclama que não tenho tempo para ele, que minha vida é corrida demais, mas sempre soube disso, afinal, me conheceu no trabalho.

Tiro a casquete agradecendo por ter algo que cubra meus cabelos alvoroçados pelas horas de voo. Faço um rabo de cavalo. Preciso me lembrar de ir ao salão dar um jeito nessas luzes que fiz há um tempo e que, além de clarear meus cabelos, também me faz o desfavor de ressecá-los.

Meu celular não para de vibrar no bolso da saia e aposto todas as minhas fichas de que Leo acha que vou dar outro bolo nele. Da última vez, cheguei tão cansada que tomei banho e cochilei de toalha mesmo na cama. Ele ficou me esperando sozinho no restaurante e só acordei quando o telefone tocou pela quinta vez. Eu estava sendo uma péssima namorada nesses últimos meses, eu sei, mas levei muito tempo para conseguir esse trabalho e não consigo me dividir em duas.

Passo um batom claro e me dou por satisfeita. Os músculos do meu rosto estão doendo de tanto manter aquele sorriso congelado. Fazer isso por quatro horas é dose!

Encontro um burburinho esquisito na sala enquanto guardo a necessarie:

— Aconteceu alguma coisa? — pergunto, notando que Rodolfo parece preocupado. Estou começando a ficar curiosa, já que está um entra e sai intenso na sala. Isso só acontece quando o chefe resolve nos visitar, então preciso me preparar.

Enquanto eu puder voarWhere stories live. Discover now