Zefa Jyraia

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Patrícia

Violência. Gritos. Dor. Vozes. Vazio. Aos poucos as vozes e os gritos pararam. A dor foi diminuindo. O gosto amargo da violência amenizou. Só ficou o vazio.

De olhos fechados eu notava o farfalhar de roupas, os dedos no teclado, os saltos das botas no chão do quarto do hospital. Eu não queria abrir meus olhos. Eu não queria vê-la. Eu não queria ver a sua reação. Eu não queria ter que responder perguntas que nem ao menos eu sei a resposta.

"Por que você se deixou ficar tanto tempo nessa situação?". Eu não sei.

"Por que você se deixou abusar?". Eu não sei.

"Por que você foi tão submissa?". Eu não sei.

"Por que você não tomou uma atitude?". Eu não sei.

Não quero abrir os olhos e ver sua íris cor de mel com todas essas indagações. Não quero abrir os olhos e ter que contar mais uma vez o que me aconteceu.... e a sua reação... eu tive medo.

Por um minuto eu tive medo dela. O ódio e a raiva que transbordavam dela... eu sei que não era para mim, que não eram direcionados para mim... eu sei que era para a minha proteção, mesmo assim eu não consegui evitar esse sentimento, que só passou quando ela me abraçou. Somente ali eu pude respirar. No momento em que ela me abraçou eu me senti protegida, sabia que nada de ruim iria me acontecer. Com ela eu podia tudo... eu me sentia mais forte.

Agora deitada nesse leito de hospital eu estava consciente e alerta, mas como sempre, estou me acovardando. Sei que ela não vai aguentar a ansiedade e logo vai querer saber o porquê de eu não acordar. Eu estou morrendo de vergonha e não sei como encará-la. Uma vergonha imensa por ter sido tão fraca, tão submissa e até mesmo omissa durante todos os anos em que eu fui casada.

— Ela não acordou ainda? – ouvi a voz da minha avó.

— Ainda não, Carolina. Eu tô aqui morrendo de aflição: já chamei o médico, as enfermeiras, já fiz uma revolução aqui nesse hospital e não tem o porquê dela não acordar.

— Vó... – chamei e as duas vieram correndo para o meu lado.

Patyta...

Oncinha, você tá bem? Quer alguma coisa? Quer uma água? – Lorenza se debruça em cima de mim me esmagando. Olhei para as duas mulheres e tentei sorrir mesmo com uma leve dor na minha têmpora.

— Eu...

— Lorenza, deixa a menina respirar! – Lô fez cara de criança mimada e se afastou um pouco.

— Água, vó. – minha vó se afastou e a minha namorada se aproximou novamente, agora com cuidado.

— Paty, por que você não me contou tudo? – ela disse com cara de magoada. – Por que você não confiou em mim? Por que voc...

— Eu não quero conversar agora, Lorenza. – falei notando que ela não estava gostando disso.

— Mas...

— Bebe, filha. – vovó me trouxe um copo com água e Lorenza saiu para comer algo na lanchonete.

O médico entrou no quarto e disse que, se eu estiver bem, na manhã seguinte terei alta. Perguntei quais foram os meus ferimentos e conforme eu tinha imaginado fraturei novamente o braço. Na cabeça, tive um leve traumatismo craniano com a formação de um pequeno coagulo, o que fez com que me sedassem para que o cérebro desinchasse mais rápido.

— Filha, eu vou avisar a Zefa e venho dormir com você.

— Não, Carolina, eu durmo aqui. – Lô chega a tempo de ouvir o que minha avó dizia.

Amor Animal (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora