Capítulo 3 - Submarino

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- Todos aqui já vivenciaram essa experiência, dolorosa por assim dizer. Não estou dizendo que é fácil superar esses sentimentos, mas sim que, o quanto mais pudermos falar sobre, menor se torna a sensação.

Um homem alto ajusta os óculos que caía sobre o rosto, ele estava sentado sobre uma cadeira onde se inicia uma roda, e também no final dela, estrategicamente alocado no meio entre o encontro das cadeiras do círculo espaçoso. Suas longas pernas cruzadas servem de apoio para suas mãos repousarem sobre um de seus joelhos enquanto ele discursava. Seu olhar era cansado e o homem tinha olheiras roxas em sua pele pálida, entretanto ao falar ele se mostrava caloroso e compadecido, era uma pessoa triste tentando ajudar outras pessoas tristes.

-A perda é algo que nos consome de tal maneira que esquecemos que existimos e começamos a viver somente por ela e para ela. Como se nada mais importasse ou valesse a pena, como se existisse apenas dor, e nada mais.

Em diversas cadeiras notavam-se ruídos de narizes apitando e engasgos de contenção de emoção. Uma mulher de vestido preto caiu aos prantos interrompendo o homem do meio da roda.

-Aline, tudo bem? Gostaria de dizer o que está sentindo?

Os olhares agora estavam voltando para a mulher que choramingava e tentava se recompor.

-Todo dia quando acordo, eu me sinto como uma folha ao vento, apenas indo pra qualquer lugar. Desde que o Júlio... Eu não consigo... Eu não sei...

Algumas outras pessoas fungavam os narizes, um jovem rapaz acariciou o ombro da mulher em suas lamentações.

- Você precisa continuar, por você e por aquele que se foi. Tenho certeza que o Júlio não gostaria de te ver triste. Comentou o homem de olhar cansado. Sua voz era baixa e tranquila.

-Eu sei... É que pensar nele naquela cama, nas noites que os remédios o faziam vomitar. Não saem da minha cabeça. Ele sofreu tanto...

-Ele lutou o máximo que pôde, onde quer que esteja agora, ele não sente dor alguma, está em paz finalmente. Você deve encontrar a sua também... Quando pensar nele tente lembrar-se dos bons momentos que viveram, ele no hospital não era toda a história e sim uma mínima fração de um ciclo que se encerrou.

A mulher soou o nariz em um lenço de papel, secou as lagrimas das maças do rosto e se ajeitou na cadeira, por um instante ela sorriu como se estivesse se lembrando de algo extremamente feliz e logo após voltou a prestar atenção no homem do centro.

Ele acenou levemente com a cabeça num sinal positivo e a mulher retribuiu com um meio sorriso.

- Bom, vocês sabem o quanto isso é estranho para todos, mas infelizmente ou felizmente, temos um novo companheiro para nosso grupo de apoio.

Todas as pessoas da roda voltaram suas cabeças e atenções para um novo integrante, um rosto masculino, jovem, porém marcado como todos naquela sala. O rapaz estava de cabeça abaixada e não a levantou, não havia feito desde sua chegada. Ele usava um casaco cinza com capuz que escondia seu rosto, seus cabelos eram longos e saíam para fora do capuz.

-Gostaríamos que soubesse que estamos aqui para ajuda-lo e sinta-se livre para ir ao seu ritmo... Não se preocupe.

O rapaz não mostrou interesse, apenas continuava imóvel e aparentemente desconfortável.

O homem alto respirou fundo lentamente, estava acostumado com aquilo, mas não significava que era fácil.

-Meu nome é Rafael, eu tenho 45 anos... Bom... Dez anos atrás eu perdi alguém... Meu filho, Pablo. Foi no dia do seu aniversário de seis anos. Eu e minha ex-esposa havíamos convidado todos seus amigos da vizinhança, ele estava tão animado...

Rafael inspirou o ar por um longo momento antes de expirar e voltar a contar sua história.

-Tudo aconteceu tão rápido, em um segundo eu o vi passar do meu lado correndo com seus amigos, eu estava na churrasqueira preparando alguns hambúrgueres para as crianças e no outro segundo minha esposa gritou e o encontrou caído perto da calçada. Ele tinha corrido pra rua pra pegar a bola que estava brincando, ele era tão pequeno... O motorista não o viu...

Rafael fez uma longa pausa antes de prosseguir.

-Algum tempo depois veio o divórcio, minha esposa nunca superou a perda e não conseguia conviver comigo porque eu a fazia lembrar-se do nosso filho. E por um tempo eu achei que esse era o fim, que eu estava acabado para sempre.

O silencio na sala era angustiante, todos olhavam compadecidos para Rafael que encarava o rapaz de cabeça baixa.

-E um dia eu acabei onde vocês estão hoje, aprendi a lidar com a dor e com tudo mais que ela trás...

- O que eu quero realmente dizer é que todos estão aqui por um motivo em comum, quero que se sinta confortável em compartilhar sua história. Não estamos aqui para julga-lo, e sim para ouvi-lo, você se sentirá melhor.

Novamente o silêncio reinou na sala, Rafael aguardou algum sinal do rapaz de capuz, a mulher de preto estava ao seu lado e apertou um de seus ombros.

-Está tudo bem garoto, pode falar...

O rapaz levantou a cabeça lentamente, seu rosto estava molhado e seus olhos vermelhos, ele afastou do rosto alguns tufos de cabelo, e encarou Rafael.

-Meu nome é Lucio ...

Um coral cantou boas vindas ao novo integrante do grupo, "Bem Vindo Lucio ".

- E qual a sua idade Lucio ? Perguntou Rafael.

-23 anos.

-Há algo mais que gostaria de compartilhar conosco Lucio ?

Lucio não respondeu, apenas ficou imóvel. Olhava para todos da sala que o encaravam e sentiu-se desconfortável, não queria estar ali.

Uma garota levantou a mão, ela estava sentada na cadeira em frente a Lucio , do outro lado da sala.

-Sim, Helen! Respondeu Rafael.

-Acho que deveríamos dar um tempo a ele.

Rafael voltou à atenção para Lucio .

- É o que deseja, Lucio ?

Lucio apenas abaixou a cabeça e cruzou os braços.

-Bom, leve o tempo que for preciso. O que acham de um intervalo?

Todos concordaram e levantaram de suas cadeiras. No fundo da sala havia mesas com garrafas de café, bolos e biscoitos. Algumas pessoas foram para as mesas dos aperitivos, outras formaram duplas ou grupinhos para conversarem. Lucio se aproximou da porta de saída, mas foi abordado por Helen que segurou seu braço por trás.

-Oi, meu nome é Helen. E você é o Lucio , é eu já sei.

Ela estendeu a mão, mas Lucio não a cumprimentou.

-O que você quer? Perguntou Lucio ríspido.

-Bom, eu acho que pra mim já deu hoje, aí vi que você também estava saindo.

Lucio abriu a porta e saiu sem esperar Helen terminar de falar. Ela o seguiu com passos rápidos. O clima do lado de fora estava fechado, nuvens negras cobriam o céu.

-Ei, você não tá a fim de tomar um café? Tem uma cafeteria aqui perto que é ótima! Eu pago.

-Não tô afim. Lucio seguiu caminhando,

-Você tem algo melhor pra fazer agora?

Lucio parou de andar e a encarou.

-Eu tenho quase certeza que você é do tipo que só toma submarino.

Lucio parecia ofendido, levantou as sobrancelhas e franziu a testa.

-Eu tenho cara de criança por acaso?

-Olha não é por nada não, mas tem sim.

Helen riu e Lucio imitou sua risada de uma maneira arrogante, o que fez a garota rir ainda mais.

Enquanto Lucio e Helen discutiam uma leve garoa caía sobre eles. Chuva que então foi aumentando aos poucos e provocando relâmpagos e trovões estrondosos que fez os dois correrem para a cafeteria em busca de abrigo.

Sangue e CaféWhere stories live. Discover now