Já é noite, ouço uivos

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Da cama vejo o luar,
estrelas a cintilar,
sonolência a tomar-me.
Pausa repentina em minha decadente insônia,
faz-me cair em sono abusivo.

Escuridão. Clarão. Névoa.
Nada vejo meio ao nevoeiro,
silêncio esmagador
junto da temerosidade da noite.
Corpo estremece
com o simples soprar de brisa.
Uivos de lobos. Pavor.

Vento na face
meio ao correr desesperado mata adentro.
Folhas a serem esmagadas
por meus pés descalços,
estalar da relva morta,
lama preta a entranhar entre os dedos.
Repúdio, adrenalina.

Vestido branco em frangalhos
sendo abraçado pela noite,
escuridão destacando a enérgica presa.
Presa eu. Banquete eu.
Banquete para lobos
que observam do alto da colina,
pavor. Observam-me.

Corro por entre as árvores,
respiração irregular,
mato a machucar a pele
e coragem dilacerada
a cada uivo ouvido.
"Eles estão próximos", penso.
Lobos. Pavor. Banquete.

Horas se passando
e esperança se esvaindo.
Floresta se tornando mais densa a cada passo
e chuva a cair sem piedade.
"Não podia ficar pior" digo alto,
porém logo me arrependo da fatídica frase.
Como flashes sombrios,
vem a mente imagens de belas presas amareladas
a rasgarem minha pele,
dor delirante a dominar-me
até o ultimo suspiro de vida.
Banquete.

Olho para o caminho a seguir
e volto a visão para trajeto já percorrido,
ouço mais uivos.
O brilho de esperança
que ainda reluzia em meus olhos,
se desfaz em um rompante.
Olhar morto se faz presente
e o rosto se faz empalidecido.
Desespero.
Cheiro de morte no ar.

Corro no limite que suporta minhas pernas,
sempre serpenteando entre árvores e arbustos.
Olhos esbugalhados.
Respiração irregular.
Em um rompante paro
e me concentro no barulho ao meu redor,
silêncio.
Chuva e vento nas folhas,
silêncio.
Noto o estralar da relva
poucos metros de mim,
agora outro estralar vindo de outra direção.
Aperto os olhos na direção do barulho
e pude enxergar o brilho de olhos frios.
Puxo a respiração rapidamente
denunciando meu desespero
e ponho-me a correr novamente.

Mato. Árvore.
Banquete. Rosnado.
Chuva. Tronco quase imperceptível.
Olho na direção dos barulhos
e tropeço.
É meu fim.
Desgraçado tronco!
Pavor. Lobos. Banquete.
Cheiro de morte.
Cheiro da minha morte.
Eles tem fome.
Fui presa fácil.
Posso até ver a satisfação
estampada nos olhos
de cada integrante da matilha.
Sangue a espirar.
Lobos sedentos.
É meu fim!

Acordo assustada,
corpo suado e trêmulo.
Dor de cabeça.
Esfrego os olhos
e noto minhas mão sujas com lama preta,
lama preta?
Olho lentamente para os lados,
noto estar deitada em solo úmido
e próxima de uma floresta.
Escuridão. Cheiro de morte.

Vestido branco em frangalhos
sendo abraçado pela noite,
escuridão destacando a enérgica presa.
Presa eu. Banquete eu.
Banquete para lobos
que observam do alto da colina,
pavor. Observam-me.
Eles tem fome.
Lobos sedentos.
É meu fim!

Olhar de um coraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora