II

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A melodia que espiralava das cordas de um violino era acirrada, enlouquecida, como se as notas estivessem caindo de uma escadaria, de um túnel – a queda de uma esperança.

Atrevia-se dizer que já escutara uma orquestra assim, como se todos os instrumentos fossem como uma bomba-relógio, segundos contados para o fim de tudo.

O corpo de Jo estava como Danse Macabre. Só que a parte atormentada se seguia repetidamente ao longo do dia. Toda hora.

Os guardas reais abriram as portas extensas num movimento fluido e sincronizado, dando a gloriosa visão da Sala do Trono. Jo engoliu em seco e franziu os lábios. Ela não queria ouvir a mesma notícia outra vez. Não queria que aquele dia chegasse – e ele sempre chegava uniformizado com as cores de vários reinos.

Reinos com a perda de sua rainha.

As três damas entraram na sala, os passos sob seus sapatos abafados pelo carpete vermelho que Dryna sempre amou, a imagem da rainha aproximando-se dos olhos de Jo – e seu coração acelerado se apertou dentro do peito. Um sorriso sereno, o brilho nos olhos de uma menina com a esperança contida, como uma música tranquila nos dias de primavera.

Jo trincou os dentes, desviando o olhar da rainha para o homem de postura rígida logo adiante, branco e dourado e vermelho – as cores reais de Ravaryn em seu uniforme, o reino deles. Ela fez uma reverência travada, as pernas trêmulas com o movimento. Agora você deve manter a compostura, Jo.

— Peço perdão por interromper o trabalho de vocês, Lady Zariya, Abingora, - Reuel, o Guarda Real, deu uma olhadela rápida para Jo, as sobrancelhas grossas e escuras franzidas. – Senhorita Alynthi. Creio que já devem estar cientes da notícia que trago.

— Não há nenhum mensageiro de um reino. – disse Lind, seu tom firme para uma expressão quase chorosa. Jo queria segurar sua mão, mas manteve as próprias diante de si, enlaçadas umas nas outras, geladas. – O que houve?

— O reino de Kestramore perdeu sua rainha, Khione, para a Canção do Pássaro. – Reuel simplesmente soltou, o maxilar enrijecido. – Por esse infortúnio, os mensageiros foram proibidos de ultrapassar a fronteira, enviando a notícia aos guardas por meio de seus pergaminhos.

— O Pássaro manteve suas notas? – a voz de Dryna encheu a Sala, solene. Jo ousou uma olhada nela. Sua calmaria era tão imponente que não parecia que inúmeros reinos estavam chorando do lado de fora, a milhas e milhas de distância.

Distância na qual estava diminuindo à medida que o Pássaro assassinava uma rainha.

Reuel retirou do bolso interno do uniforme um papel amarelado e manchado de sangue, entregando a Dryna. Seus olhos castanho-claros caminharam pelas manchas que transpareciam tênues com a luz rosada do fim da tarde que atravessava as janelas. Jo franziu a testa, tentando decodificar o que havia ali, até que Dryna estendeu a folha às damas, Lind caminhando até ela para pegá-lo, recuando para entre Jo e Florence.

O corpo de Jo se tencionou para não olhar o que havia ali naquele momento, mas seus olhos tão teimosos quanto ela não resistiram, grudando no papel frágil. O padrão de notas era o mesmo – pontinhos de sangue da rainha morta. No entanto, sempre que Lind reproduzia a canção, o tom que saia era diferente – a mesma música como se dedilhada por outras mãos.

— Os mensageiros disseram que enviarão a pesquisa que fizeram para decodificar a Canção. – disse Reuel.

— Reuel – disse Dryna ao se levantar do trono dourado, movendo-se até o homem. – Peça para que priorize o envio dessa pesquisa para o reino de Ravaryn.

A saliva começou a descer pelo lado oposto na garganta de Jo e ela tossiu.

O quê? – ela conseguiu dizer, dando um passo à frente. – Sabe o que isso significa, Dryna? Ainda não conseguimos-

— Meu reino não escapará disso, Joann. – a rainha a olhou com cautela. – E não deixarei que os reinos vizinhos percam suas rainhas também. O Pássaro é o relógio do mundo agora.

— Vossa Majestade, tem certeza? – perguntou Florence, o tom mais baixo. – Os reinos de Gantrick e Ellesmere são os próximos a visitarem Krahem. Ainda temos tempo para avanços. Garanto que traremos a solução para a Canção.

— Até porque Gantrick demora uma semana para chegar até Krahem – Jo falou, o peito subindo e descendo, esquecendo-se da formalidade. Para o inferno com ela. – Ellesmere mais duas. Até lá conseguiremos decodificar a Canção.

Dryna se virou lenta para as damas, o olhar tão determinado quanto as palavras que saíram da boca de Jo. Elas não poderiam entrar num jogo de apostas ou de teimosia agora.

— Uma guerra se iniciará se nenhum avanço surgir nessas três semanas, Joann.

— Somos o reino que tem mais avanços, Dryna – Jo deu outro passo – Se... Se você se for, outros reinos irão também. Todos irão. Não há garantias que algo vá mudar se você diminuir nosso tempo.

A Sala mergulhou no silêncio, Jo sustentando o olhar pensativo da rainha enquanto ela mesma absorvia o próprio desespero. Ravaryn era um reino próximo de Krahem – e após algumas descobertas feitas por Jo, Florence e Lind, os outros reinos não permitiram que a rainha Alexandryna fosse uma das vítimas da Canção. Eles se sacrificaram para que elas pudessem estudar, escrever, avançar.

Dryna abaixou os olhos, como se considerasse, e respirou fundo. Os olhos de Jo queimaram, então seus dedos se apertaram ainda mais um nos outros.

— Aguardaremos a viagem de Gantrick e Ellesmere. – declarou, o rosto voltado a Reuel. – Porém, traga os materiais mesmo assim. Irei partir se qualquer avanço significativo surgir. – ela olhou para Jo. – Mesmo que isso custe apenas dois dias.

Dryna atravessou a Sala do Trono, seus passos límpidos deixando-as para trás.

Os ombros de Jo murcharam, seus olhos fitando o chão vermelho. A cor do sangue. Ela não queria ver seus pés manchados dele. Não de Dryna.  

As Três Damas da Rainha - um contoHikayelerin yaşadığı yer. Şimdi keşfedin