Capítulo Único

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Acordei cedo. A monotonia absurda esmagando minha vontade de lidar com mais um dia. Os mesmos passos, os mesmos caminhos, a mesma rotina. Um dia a mais. Ainda deitada, sentimentos de inquietude e vazio se apossaram da minha alma. De súbito levantei, antes de mudar de ideia novamente quanto a sair da cama. Olhei ao redor e suspirei pesadamente. Quanto mais rápido fizer tudo, mais rápido chego ao final do dia.

Fui ao banheiro e deixei que a água quente do chuveiro aliviasse a fria sensação solitária, presente sempre que acordo. Coloquei uma música em meu celular, enquanto vesti as roupas e tentei melhorar um pouco a aparência melancólica.

Depois de estar pronta para ir ao trabalho, ouvi um barulho persistente rodear todo o apartamento, som de chuva. Inferno! Cada vez mais fortes, as gotas caíam e escorriam levando consigo qualquer animação que eu pudesse ter conquistado após muito esforço. Ah, quem dera preparar um chocolate quente e quedar na cadeira próxima à janela, com um bom livro em mãos.

Mas acabei me conformando, ainda que inquieta e com pequenas faíscas de revolta. Peguei as chaves. Carro, porta, portão. Todas em mãos. Contudo, aconteceu de clarear-me uma ideia, lembrei-me de algo crucial: o caminho pelo qual costumo ir! É verdade, suas ruas ficam completamente alagadas dependendo da intensidade da chuva.

Maldição! Quem está escrevendo a rotina do meu dia como se fosse uma comédia dramática? Não podendo contar com a sorte, vi no GPS a rota mais próxima. Acompanhei com a imaginação. Percorrer quarteirões, estacionar em um local reservado, andar alguns metros. Sem mudanças muito consideráveis. Será isso mesmo.

Após alguns minutos dirigindo, a chuva amenizou paulatinamente até acabar por completo. Indícios de raios solarem já se faziam presentes. Parece uma nova manhã que iniciou. Tudo mais claro. Não sei qual o propósito das coisas, se é que existe tal concepção. Mas eu diria que não houve nada para o qual essa chuva serviu além de me atrasar pegando um novo caminho.

Tempo confuso, dias confusos. E de confusões em confusões cheguei ao local de estacionar. Saindo do carro, avaliei rapidamente por quais ruas caminharia até chegar à empresa. Pareceu-me mais fácil seguir conforme o GPS e depois cortar caminho andando diagonalmente pelo estacionamento do Shopping Center. É o que decidi. Comecei a andar.

Após longos passos, adentro o referido estacionamento. Observo com rapidez que toda aquela combinação de chuva matinal com o sol aparecendo persistentemente resultou em uma incrível visão. Quase fantasiosa, eu diria. Por ser muito cedo, não há nenhum carro ainda por aqui. Nenhuma pessoa também. O local é muito grande e está vazio, todas as vagas para os automóveis parecem solitárias. A brisa da manhã deixa o clima mais leve.

E os raios solares. Ah, o destaque é completamente deles. Entrando fortemente e iluminando todo o estacionamento. Um pouco tímidos de início, mas com tanta potência luminosa. À minha volta, enxergo todas as coisas como que com sob um filtro amarelo-alaranjado. Uma forte claridade, mas que não traz calor, fazendo tudo brilhar em luz. O sol nascendo bem à minha frente, com sua luz alaranjada raiando diretamente em minha direção, no sentido contrário ao meu movimento. O chão pintado com uma cor branca refletia a iluminação, as poças de água refletiam o céu.

Pergunto-me por que nunca tomara este caminho antes. Ter essa visão todos os dias é, sem dúvida, inspirador. Andando vagarosamente, suplico para não terminar essa travessia e contemplo a visão fantástica que já começava a me cegar pelo excesso de luz. Permaneci assim até que, para me arrancar definitivamente dos devaneios, avisto uma silhueta também andando devagar, em meu encontro.

Era uma silhueta feminina, de beleza surreal. Afirmo isso apesar de mal conseguir enxergá-la em riqueza de detalhes. Pelo pouco que percebi, estava usando um vestido de cor aproximadamente amarelo-bege, segurando sua bolsa de lado. Seu cabelo era curto/mediano, provavelmente claro, combinando com seus olhos brilhantes. Sua pele era branca e seu corpo cheio e exuberante tornava-se o centro das atenções. Pelo visto, conseguindo a atenção até mesmo do Astro-Rei.

O sol agora, um pouco mais acima no céu, parecia lançar os seus raios diretamente sobre ela. A pele clara da dama era o ponto de convergência de toda a luz. Ela brilhava, refletindo majestosamente. Seus passos leves estavam em consonância com a paz que senti, embora destoantes quanto às batidas do meu coração. Admitia uma pose e corpo de mulher confiante e segura, ao passo que transbordava a aparência delicada de uma jovem adulta.

Sua sandália baixa emitia um barulho agradável. Cada vez mais alto conforme nos aproximávamos. Em certo momento, a moça voltou seu olhar castanho claro para mim. Sorriu cordialmente, dando-se conta da minha presença, enquanto passou a mão pelo cabelo levemente molhado. Eu simplesmente sorri, admirando os seus gestos em um fascínio acalentador.

Senti vontade de abordá-la, perguntar o seu nome, pedir o seu número, conhecê-la e conviver de perto com tamanho encanto. Mas, quando percebi, ela passara do meu lado, a poucos metros de mim. Em minha mente, aqueles minutos de contemplação duraram tanto! O tempo psicológico me enganou. Paralisei, olho para trás. Ela estava saindo por ondei eu entrei, dobrou a esquina e eu a perdi de vista.

Termino minha travessia ainda cambaleante e pensativa. Quem poderia ser tal mulher? Minha rotina desmotivante transformou-se em algo curioso e animador. Preciso vir outras vezes por essa rota, em um horário parecido, seguindo o mesmo trajeto. Para ver se consigo encontrá-la uma outra vez. 

A Dama da Luzحيث تعيش القصص. اكتشف الآن