Cap. 9 - Manja? (narrado por Anderson Pelizari)

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"Havia-me preparado para todas as eventualidades da vida. Imaginei-me amarrado para ser fuzilado, esforçando-me para não tremer nem chorar; imaginei-me assaltado por facínoras e ter coragem par enfrentá-los; supus-me reduzido à maior miséria e a mendigar; mas por aquele transe eu jamais pensei ter de passar. Como é difícil controlar o amor."

(Lima Barreto – O cemitério dos vivos)


Eventos que se passam no dia da Festa de Milena Sampaio.



Se tivesse uma definição para "escravoceta" no dicionário, pode ter certeza que iria ter minha foto lá estampada. Porque pensa num cara que fez praticamente de TUDO por causa de uma mina. Tipo, mano, acho que eu só não matei e roubei para agradar a Alana, porque de resto... Ela com aqueles olhinhos azuis, que podiam ser doces, mas também bem sedutores, com aquela boquinha rosa, pequena e de sorriso fácil, com aqueles cabelos tão loiros caindo pelos ombros... Ela inteira me deixava louco!

Então, por causa de Alana, eu virei um "topa tudo por buceta". E era difícil sair beneficiado dessa negociação, manja? Ela vinha toda faceira, de bochechas rosadas, fazendo carinho com a ponta dos dedos e... Quando eu via, já estava lá, atendendo mais uma ordem disfarçada de pedido.

Mas na hora de me recompensar, ela quase sempre corria. Quase. Às vezes me procurava e era MUITO bom. Eu pirava naquela mina, manja? Me lambuzava que nem menino nessas oportunidades; tentava aproveitar ao máximo, porque não sabia quando teria a honra da próxima vez.

Com sua aparência de princesa e personalidade forte, Alana me enfeitiçou. Escravoceta, sim, eu Anderson Pelizari! Mas foi aí que as coisas começaram a dar merda na minha vida. E é aquela coisa, a gente não percebe quando tá fazendo muita merda, até ficar atolado até o pescoço na bosta.

Eu me lembro que quando eu era criança, meus pais me levaram para conhecer um lugar chamado Fazenda Chocolate, em Itu, onde tem uns bichos, avestruz, pavão, essas bagaças. O caminho até lá é uma estradinha na beira do Rio Tietê, com suas águas sujas e cheias de espuma se arrebentando violentamente contra as pedras de granito, que tem dentro dele nessa região.

Fiquei fascinado quando vi aquele turbulento "rio de neve" e insisti para que meu pai parasse no acostamento. Não deu outra, mano... Foi só abrir as portas do carro para vir aquele cheiro de esgoto misturado com barro.

Mesmo assim, a visão não deixava de ter sua beleza. Fiquei olhando aquelas águas tóxicas que seguiam seu rumo em um gemido ameaçador, parecendo um bicho ferido. De repente, subindo as pequenas "quedinhas" d'água que se improvisavam entre as rochas, uma horda prateada de peixes. "Vê, bambino, a piracema!" Meu pai apontou, tão surpreso quanto eu. Não tinha como não se emocionar com a visão da vida em meio à morte. Os pontinhos pratas saltavam da espuma e voltavam a mergulhar na água suja.

Eu me sentia como aqueles peixes que estavam fazendo a piracema no Tietê: na merda, mas sobrevivendo. E essa diarreia que minha vida tinha se tornado começou pelo fato de eu fazer tudo o que a Alana queria. Se eu não tivesse aceitado levar o Otávio até em casa, no dia daquela maldita festa, nada disso teria começado. Porque eu já tinha deixado certas questões na Itália, quando decidi voltar, e não fazia questão nenhuma de relembrá-las até aquele momento.

Falando na festa, vou voltar para aquele dia fatídico. Eu estava sentado na varanda da casa de Milena, com os moleques do time de futsal e Alana do lado. Fui amarrado para aquele lugar. Festa à fantasia com tema adolescente? Ah, se fuder com essa porra! E ainda inventei de ir vestido que nem os carinhas de "Sociedade dos Poetas Mortos". Estava morrendo de calor e de vontade de ir embora também!

Operação CapituWhere stories live. Discover now