Star Wars - A Ascensão dos Reacionários

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SPOILERS adiante!

Reacionário vem do francês réactionnaire, que segundo o dicionário Larrousse significa:

Qui se montre partisan d'un conservatisme étroit ou d'un retour vers un état social ou politique antérieur.

"Quem se mostra a favor de um conservadorismo estreito ou de um retorno a um estado social ou político anterior."

O último filme da saga Star Wars vem sendo bombardeado pela crítica ao mesmo tempo em que é recebido de braços abertos pelos fãs. Esta dicotomia é reveladora da estratégia da indústria do entretenimento de explorar a nostalgia de seu público. Agora não basta mais apelar a este sentimento, é também necessário adotar com todas as forças o reacionarismo, traço cada vez mais marcante entre os fãs de Star Wars, assim como da sociedade neste princípio de século.

O termo reacionário foi utilizado pela primeira vez no contexto da revolução francesa para identificar aqueles que desejavam um retorno à sociedade feudal, em contraste com o estado católico-monárquico construído sobre uma burguesia que ocupava uma posição política inferior, nos moldes renascentistas. Diferentemente dos conservadores, cuja característica principal é manter o status quo, os reacionários creem em um passado, geralmente mítico ou romantizado, no qual as coisas eram melhores. Mais importante, o reacionário acredita que a única solução para o problema em questão, seja ele político, social ou do roteiro de um filme, é o restabelecimento das coisas como eram antes, muitas vezes em um tempo que eles nem vivenciaram.

Em sua raiz o termo não implica, necessariamente, um posicionamento político de esquerda, no sentido socialista, até porque é anterior a invenção do mesmo. Os socialistas revolucionários adotaram o termo para designar os que se opõe a ideologia comunista, o que por muitas vezes acabou por confundir o limite entre conservador e reacionário. Para efeito desta reflexão, reacionário não estará associado a moderna dicotomia esquerda-direita, podendo tanto ser utilizado para aqueles que desejam a volta do comunismo soviético, como os que desejam a volta das charretes no lugar dos carros, ou do terraplanismo em oposição ao conhecimento científico.

Já a nostalgia é uma melancolia ou tristeza sentida por alguém que está afastado de sua terra natal, ou pela lembrança de eventos ou experiências vividas no passado. O nostálgico não necessariamente é um reacionário, porque o segundo corresponde a uma opinião supostamente racional, enquanto o primeiro é um sentimento não racionalizado. Todas as pessoas podem experienciar a nostalgia, mas supõe-se que são capazes de separar esse sentimento dos fatos objetivos.

O personagem Dom Quixote de La Mancha pode ser considerado como uma sátira do reacionário. O fidalgo de idade avançada passou a vida entre livros com histórias sobre um passado mítico e ideologizado. Esse mundo da cavalaria andante é mais sedutor que o mundo real, de forma que o personagem acaba perdendo o contato com a realidade quando assume a figura do cavaleiro andante. Sua fé na ficção é tão grande que lhe obscurece a realidade objetiva, de forma que moinhos de vento se tornam gigantes malvados e Dulcinéa, a prostituta local, torna-se uma donzela indefesa.

Contudo, se a primeira vista Quixote possa parecer um doente mental, como muitas vezes seus pares o classificam na história, ele não apresenta nenhum comportamento típico de patologias mentais. O certo é que possui um profundo sentimento de nostalgia quanto a um passado que nunca vivenciou, exceto através das aventuras nos livros, e optou, de forma inconsciente, a viver neste mundo fantástico dali em diante, ou, pelo menos, até o momento de sua morte. Ali se revela que, no fundo, o velho cavaleiro ainda era capaz de diferenciar o real e o fantástico.

Os reacionários frequentemente exploram o sentimento de nostalgia para introduzir sua pauta. O nazismo apelou para o passado mítico de um povo ariano, cuja origem teria se dado no longínquo himalaia. Desafia a lógica pensar em como existiu um povo caucasiano, loiro de olhos azuis, habitando as montanhas do himalaia e que se mandou dali sem deixar vestígios. Mas digamos que isso tenha acontecido de fato, não há uma ligação cultural entre esses nômades, de milênios atrás, com o povo germânico que habita a região desde a época dos godos. Se fosse diferente, haveriam faquires e suásticas no lugar de druidas e menires, sem falar em todos os mitos nórdicos que não tem relação alguma com o hinduísmo. Mas o povo alemão da épica adotou essa teoria, aceitou sem questionar a pseudociência, e até hoje o símbolo da suástica hindu ficou manchado pelo veneno nazista.

Star Wars - A Ascensão dos ReacionáriosWhere stories live. Discover now