VII - AS TRÊS IRMÃS

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Miss Marple ficou parada, olhando da janela. Atrás dela, em cima da cama, estava a sua mala. Contemplava o jardim distraída. Não lhe era comum distrair-se enquanto admirava ou reprovava um jardim. Diante deste, provavelmente, não deixaria de manifestar sua reprovação. Era um jardim descuidado, onde talvez pouco dinheiro tivesse sido aplicado nos últimos tempos, abandonado à própria sorte. A casa, por sua vez, não fora mais bem aquinhoada. De boas proporções, possuía móveis que já deviam ter sido ótimos, mas que há muito não recebiam polimento nem atenção. Não se via nenhum vestígio de amor, pelo menos recente, por ali. Merecia o nome que lhe davam: o Velho Solar. Uma casa construída com graça e certa dose de beleza, que havia sido habitada e tratada com carinho, mas cujos filhos e filhas terminaram por casar e ir embora. E agora servia de morada a Mrs. Glynne que, ao conduzir Miss Marple ao quarto que lhe estava reservado, informou de passagem que a tinha herdado de um tio junto com as irmãs, em companhia de quem viera morar desde que enviuvara. As três envelheceram, os rendimentos foram escasseando e conseguir empregados transformou-se em problema.

As outras duas, Misses Bradbury-Scott — uma mais velha e a outra mais moça que Mrs. Glynne — haviam, presumivelmente, ficado solteiras.

Não se via nenhum indício de algo que pertencesse a uma criança: uma bola caída pelos cantos, um carrinho velho, uma cadeirinha alta, uma mesa. Nada. Apenas uma casa, com três irmãs.

Que coisa mais russa — murmurou Miss Marple consigo mesma.

Queria referir-se às Três Irmãs, não era? De Tchécov, não? Ou seria de Dostoievski? Francamente, não se lembrava mais. Três irmãs. Mas não, evidentemente, do tipo que sonha com ir morar em Moscou. Tinha quase certeza de que estas viviam satisfeitas por ali mesmo. Já havia sido apresentada às outras duas. Uma surgira da cozinha e a outra do alto de uma escada, para cumprimentá-la. Eram educadas e amáveis. Em suma, o que Miss Marple na juventude designaria pelo termo hoje obsoleto de "damas" — e que certa vez lembrava-se de ter dito: "damas decaídas", ao que seu pai lhe chamara a atenção:

— Não, minha filha, decaídas não. Empobrecidas.

Hoje em dia é meio difícil encontrar damas empobrecidas. Elas têm o governo, sociedades beneficentes ou parentes ricos para ajudá-las. Quando não alguém como Mr. Rafiel. Porque, afinal de contas, a questão se resumia nisso, era esse o motivo da sua presença ali, não? Mr. Rafiel tinha preparado tudo aquilo, dando-se um trabalho danado, na opinião de Miss Marple. Quatro ou cinco semanas antes de morrer, no mínimo já sabia exatamente a data de sua morte, de maneira aproximada, ao menos, uma vez que os médicos em geral são bastante otimistas e sabem, por experiência, que os pacientes que vão morrer dentro de certo prazo muitas vezes se refazem da maneira mais imprevista, continuando vivos, embora condenados, mas recusando-se tenazmente a baixar à sepultura. Em compensação, as enfermeiras que se encarregam deles nos hospitais, segundo a observação pessoal de Miss Marple, sempre esperam que morram no dia seguinte, ficando muito admiradas quando tal não acontece. Mas ao manifestarem suas sinistras impressões ao médico, são bem capazes de obter como resposta, mal ele sai no corredor, um aparte sigiloso como este: "— Eu não me surpreenderia se ainda levasse algumas semanas". Muito simpático esse otimismo, pensa a enfermeira, mas com certeza o doente está enganado. Só que na maioria das vezes não está, não. Sabe que as pessoas que sentem dores, que se encontram inválidas, aleijadas, infelizes mesmo, ainda se agarram à vida com unhas e dentes, não querendo morrer. Tomam os comprimidos receitados para ajudá-las a passar a noite, mas não têm a menor intenção de exagerar a dose só para transpor o limiar de um mundo sobre o qual nada sabem!

Mr. Rafiel. Era nele que Miss Marple pensava contemplando o jardim distraída. Mr. Rafiel? Sentia que agora começava a compreender melhor a tarefa que aceitara, o encargo que lhe fora proposto. Mr. Rafiel era homem de fazer planos. E os fazia de maneira idêntica à que usava para seus negócios ou empreendimentos financeiros. Nas palavras de Cherry, a empregada, ele havia tido um problema. E quando Cherry tinha um problema, quase sempre vinha expô-lo a Miss Marple.

NêmesisWhere stories live. Discover now