Capítulo 2

8 0 0
                                    


O avô Lúcio acordou estranho um dia desses, falando frases desconexas. Saiu correndo pela casa pelado, dizendo que tinha uma porca se afogando no alambique. (Que negócio era esse? Nem temos alambique!) Dizia que tinha uma moça feia e barbuda olhando pela janela e que a pequena avó queria matá-lo envenenado. Não houve quem o obrigasse a tomar a medicação matinal que ela lhe oferecia. Eu pensei: "Se ele age como um menino, talvez eu precise de um artifício para convencê-lo." Com um pequeno galho de goiabeira, ameacei usá-la se ele não tomasse seus remédios. E funcionou. Tomei gosto pela brincadeira. O problema foi quando ele disse que a avó Maria não lhe daria banho, porque ela queria matá-lo afogado no chuveiro.

De vez em quando ele aparecia na janela, tempo suficiente para colocar a enorme língua para fora e voltar correndo para dentro da casa, gargalhando.

Não falei ainda do tio Marcos. Não batia bem da cabeça. Tinha uma espécie de lerdeza. O Cérebro de oito anos num corpo envelhecido e lento. Mas, gostávamos dele. Afinal, quem mais entregaria nossos recadinhos para os garotos do bairro, ou, quem pediria ao seu José do bar um punhadinho de guloseimas? A ele ninguém negava nada.

Passado alguns meses, o inverno chegou intenso e cinzento. Chegou formando uma forragem cinza no chão, antes coberto pela relva fresca. Pouca coisa restara da vasta vegetação. O campo estava árido e apenas as pequenas azaleias e begônias pareciam não reclamar da friagem. O avô continuava o mesmo. E assim os dias passaram, voando como os pássaros que retornariam para casa depois do inverno. Logo, percebi que também já era hora de voltar para casa. Afinal, o avô já havia recobrado a consciência. Isso eu descobri quando o ameacei com a vara, e seu olhar penetrou-me como uma faca afiada. Mas ele não disse nada, apenas se afastou lentamente e foi capinar sua roça.

Parti no final daquela semana.

O avô Lúcio ficou apenas uma semana são e faleceu, deixando minha avó e o Marcos solitários.

A avó Maria e o Marcos foram embora para Teófilo Otoni, depois que uma enchente consumiu todo o milharal e matou  sua vaquinha estimada. O menino do cemitério? Passou por mim quando eu me dirigia até a rodoviária, mas cobriu o rosto com uma sacola que trazia nas mãos e não me deu a chance de me desculpar por ter sido tão cruel em destruir suas ilusões. 


Fim

You've reached the end of published parts.

⏰ Last updated: May 11, 2020 ⏰

Add this story to your Library to get notified about new parts!

ENCONTROS E DESENCANTOSWhere stories live. Discover now