Aos dezessete anos, Megan tinha dois ratos de estimação: John e Mary.
John era todo preto, mais gordinho até, e fazia todo tipo de cena para que Megan o tirasse da gaiola e o deixasse em seu ombro pelo resto do dia; e Mary era preta com manchinhas brancas, super preguiçosa, ao ponto de qualquer um dos Brooks sempre estar passando para cutucá-la e saber se ela ainda estava viva.
Eram os maiores amores de Megan, embora ela já tivesse tido outros roedores uns anos antes: começou com hamsters, depois camundongos, e então os ratos. O problema desses bichinhos é que eles sempre duram muito pouco, mas Megan fazia questão de dar a melhor vida possível para eles nesse período.
É claro que a obsessão de Megan por ratos não foi só incentivada pela hiperalergia do pai a pelos de animais pelo ar da casa, ou eles teriam um cachorro ou um gato em vez disso, já que os três gostavam muito de bichinhos.
Megan, tendo que lidar com aquele episódio horrível de sua vida, em vez de odiar eternamente todos os ratos, começou a pesquisar mais sobre eles, e os assumiu como seus semelhantes.
Essa obsessão por ratos é complementada pela obsessão que ela tem pel'O Quebra-Nozes — ela foi até ver no cinema, no meio de um monte de crianças barulhentas, aquele primeiro filme em 3D da Barbie, que estreou dois anos atrás.
Porque apesar de ela ter alimentado muito ódio por Olivia & Cia durante um bom tempo, agora, estando a poucos passos de uma vida adulta e, portanto, olhando para trás desse ponto, ela se lembrava da expressão de Olivia quando a viu sendo humilhada; e, se sua memória não estava errada, Olivia não estava rindo na hora, nem comentou qualquer coisa sobre seu cabelo ou seu fedor inexistente.
As explicações dedutíveis para isso eram: ou Olivia era mesmo tão prepotente que mandava até seus súditos rirem por ela, ou não concordava com nada daquilo.
Vasculhando mais em suas lembranças, também, Megan ficou com a impressão de que na verdade nunca viu Olivia falando muito, exceto por obrigação — de apresentar trabalhos, pedir licença, ou na hora em que decorava as falas das peças.
Mais ainda, a cena de Olivia caindo no palco d'O Quebra-Nozes e ninguém indo ajudar, e depois Olivia do nada dando um beijo em seu rosto, continuavam intrigando Megan. Era uma situação que nunca se repetiu, mesmo que atualmente Megan cumprimentasse os amigos com beijinhos no rosto.
E foi justamente essa incógnita que revelou para a própria Megan que ela gostava de garotas.
Não exclusivamente de garotas, mas, vai, uns 90%. E quando ela se atraía por garotos, geralmente eram uns meninos gays mais desmunhecados (quem nunca?). Talvez isso tenha a ver com o fato de ela ser bem impaciente e dominadora, e o machismo intrínseco mesmo nos homens heteros legais a irritavam profundamente.
Aliás, se tem outra coisa que toda aquela humilhação revelou a Megan é que ela era bem irritadiça. É claro que uma experiência dessas sempre gera sequelas emocionais muito fortes: e uns tendem a virar reféns da própria angústia, outros a querer quebrar a porra toda e que todo mundo se foda. Mesmo o meio termo pende mais para um do que para o outro.
Então não é preciso dizer o que Megan — com aquele cabelo sempre curtinho, castanho-escuro, no máximo deixando umas mechas de franja caírem nos olhos escuros, lápis preto só para realçar os olhos escuros na pele clara, vários brincos nas orelhas, um vestuário que misturava os panos ditos femininos e masculinos, adoradora de coturnos e All Stars —, enfim, se tornou.
Megan, aliás, que estava sendo obrigada a mudar de colégio outra vez, porque queria cursar Veterinária e os pais acreditavam que ela precisava estar num dos melhores colégios da cidade para entrar em qualquer uma das melhores universidades.
Se Megan sabia que Olivia também ia estar lá?
Bom, ela deduziu. Olivia sempre foi riquinha, Megan se lembrava de ter visto Olivia sendo deixada no colégio várias vezes por um motorista particular, num daqueles carros pretos chiques; e porque o colégio onde estudaram juntas só ia até o middle school.
Megan começou a sofrer essa pressão para mudar de colégio desde o ano passado, mas ela enrolou até não aguentar mais ouvir o pai falando disso em todo jantar. E tanto ele como sua mãe ainda a lembraram de que ela não podia fugir das coisas para sempre, principalmente enquanto adulta, ou justamente as coisas de que se foge podem virar uma bola de neve ao perseguirem ela eternamente.
Então foi isso: Megan aceitou tentar superar.
Talvez realmente fosse ahora de enfiar a cara de todo mundo num bueiro.
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E esse foi o efeito que Olivia causou em Megan
Short StoryGia H. © 2019 Conto criado para a coletânea Final de Ano, do grupo @LGBTemas.