[DISPONÍVEL ATÉ 09/05/25] Dever e Fidelidade #2

Capítulo 2

     Entro em meu quarto e fecho a porta violentamente atrás de mim. Ando de um lado para outro, transtornada, e desconto toda a minha raiva empurrando os objetos de minha penteadeira diretamente para o chão, jogando almofadas e vasos contra a parede e rasgando meus livros de estudos. Caio de joelhos no tapete, ofegante e fervendo: o que experiencio é o ápice do ódio sentido em todos os meus quinze anos. Juro, sou capaz de explodir a qualquer momento. Eu bem queria poder explodir e tranformar tudo em cinzas ao meu redor. Seria melhor do que me casar com um príncipe qualquer que sequer conheço. Seria melhor do que me casar com qualquer um.

     Meus dedos desfazem os nós dos laços de meu vestido e desamarram o espartilho, libertando-me para respirar e bufar sem quase desmaiar. Também me livro da tiara de bronze em minha cabeça e a lanço longe, desfazendo o coque para que meu cabelo caia em forma de trança sobre um dos ombros. Ainda estou ofegante e gostaria de fazer algo, qualquer coisa, para reverter essa situação. Se ao menos meu pai tivesse me dado o ultimato um pouco antes eu poderia ter pensado em algum plano, mas parece que ele me conhece melhor do que eu achava e decidiu acabar com todas as minhas possibilidades de me livrar do problema.

     Levanto-me do chão usando apenas a camisa de baixo e a anágua e caminho até a janela. Afasto as pesadas cortinas e abro-a, deixando a brisa do meio-dia entrar para resfriar a cabeça. Respiro fundo e fecho os olhos, lembrando a mim mesma quem eu sou e o sonho que quero tornar realidade. Ainda não acabou só porque estou noiva e não permitirei que acabe depois que me casar.

     - Darei um jeito - resmungo para mim mesma. - Eu sempre dou.

     Acontece que eu não consigo pensar em nada durante o almoço ou durante toda a tarde entre uma aula de violino e outra de caligrafia. Minha mente fica em branco, matutando apenas o problema que preciso eliminar e não na solução que busco. Sempre que divago, Graça chama minha atenção para as aulas, o que nunca aconteceu tanto como hoje.

     Eu sempre soube que casamento é uma transação comercial para a família real. Nunca tive ilusões ou expectativas quanto a isso, principalmente porque fui nomeada herdeira bem cedo e o próprio rei não estabeleceu como condição o casamento para que eu ascendesse ao trono. Logo, nunca me imaginei casada com alguém. Seria como mudar de função e de repente me tornar uma espadachim, uma confeiteira ou um boticário. Sempre achei que o casamento estava fora de meu destino. Então não sou capaz de aceitar tranquilamente essa nova imposição de meu pai, sendo que podemos estabelecer alianças com Avival de inúmeras outras formas.

     Fico pensando nisso enquanto sou banhada e perfumada para o grande jantar de anúncio do meu noivado. O sol está sumindo no horizonte quando fico pronta. Uso um vestido de tafetá verde bordado com arabescos dourados e rendas em formato de flores, e meus cabelos são presos em duas tranças que se cruzam atrás da cabeça e se enrolam para formar um coque alto. É o meu penteado favorito e apenas Graça é capaz de fazê-lo da maneira que me agrada.

     Sou pega de surpresa pela presença de minha mãe, a rainha, no quarto. Ela está parada perto das portas, olhando para mim em seu vestido carmim completamente perfeito, usando suas joias raríssimas e ostentando o rosto com o qual eu gostaria de ter nascido. Minha mãe é a mulher mais bonita de todos os reinos e, quando anunciou que esperava uma criança, toda Omem ficou em polvorosa à espera da beleza divina que sairia de seu ventre. Contudo, eu nasci muito mais parecida com meu pai e minhas feições austeras e personalidade contida não foram suficientes para conquistar o povo. Se eu tivesse o rosto radiante e simpático de minha mãe, bastaria sorrir para que todos fizessem o que eu quisesse, como acontece com ela.

     - Você está linda - ela diz, dando meia dúzia de passos até chegar ao meio do aposento. Suas tranças foram cuidadosamente feitas e caem por seus ombros e costas em diferentes tons de castanho. A coroa dourada em sua cabeça quase passa despercebida porque seus olhos roubam todo o brilho.