Quatro

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Às vezes penso que estou sonhando.

Às vezes acho que caí no sono em algum momento do dia a não me dei conta disso. E é exatamente isso que penso quando James diz as quatro palavras que nos deixam boquiabertos.

— Não querem saber como? – ele pergunta mediante ao nosso silêncio. Se não fosse por sua falta de expressão, poderia até mesmo dizer que ele acha graça.

— Quero saber o porquê. – é Hunter quem diz primeiro.

James vira os olhos para ele e mantém a postura enquanto parece avaliá-lo. Sinto uma energia forte vir dos dois, e confesso que tenho medo do que possam gerar um para o outro.

— Acho que não deixei claro o suficiente. – James diz sem alterar a voz. – Mas eu quero o fim do Superior tanto quanto toda o Novo Estado quer. E caso não tenha processado bem, cresci nessa Central. Sei de cada entrada e saída e onde cada túnel dá. E não sei sobre você, mas quero sair daqui.

O silêncio que segue é pesado, e não consigo desviar os olhos dessa figura impassível que está na minha frente. É impossível...

Confesso que desejaria ter somente um pouco dessa confiança e desse autocontrole.

— E qual é o seu plano quando sairmos daqui? – Hunter volta a perguntar.

James troca a posição da perna e parece mais relaxado do que nunca. É impossível não ficar assustada quando vejo o Superior perfeitamente a minha frente.

Eles são muito parecidos.

— Vamos sair em grande estilo.

Tenho vontade de rir, mas ele fala isso super sério, então sou obrigada a me controlar. Olho para Hunter a procura de alguma saída, mas ele nem pisca enquanto encara James com todo o poder que tem.

— Teria como parar de falar em códigos e explicar logo seu maldito pensamento? – Hunter pergunta com rispidez, e sei que ele está ficando nervoso.

Nunca vi Hunter alterado, e ele é extremamente assustador quando está controlado. Não sei o que esperar quando se estourar, então estou com medo e quero pedir pra ele ficar calmo.

Mas James só dá um meio sorriso – quase invisível – e respira fundo, como se ainda quisesse fazer suspense.

— Passei a noite pensando e já tenho tudo arquitetado. – começa. – A Central está sofrendo ataques, e os de vocês também estão na lista. Perdemos muitos soldados e esses corpos têm que sair daqui de alguma forma. – ele está olhando para nós dois com toda a seriedade que existe. – Vocês sairão em sacos mortuários.

— O que? – não aguento e pergunto, mas sei que se não tivesse perguntado antes, Hunter teria feito.

— Depois que fora – ele continua como se eu não tivesse dito nada – encontro vocês num certo ponto e os levo até um lugar seguro.

Simples demais. Tão simples que parece que vai dar errado. Tão simples que é difícil de acreditar. Estou em dúvidas se devo ou não pôr minha fé nisso.

— E o restante do nosso grupo? – Hunter pergunta, e é somente então que acordo para a realidade, como um soco na cara.

Arfo de susto e levo a mão boa à boca, segurando um grito de incredulidade. Deus, como eu poderia esquecer do restante do meu grupo? Como Hunter não falou nada comigo sobre eles? Como não perguntei como ele tinha sido capturado pelo Superior?

Agora todas essas perguntas rodam minha cabeça, e acho que vou explodir.

Nenhum dos dois parecem se importar comigo. Estão ocupados demais se encarando e tentando medir forças com o olhar. Mas é James quem fala, agora.

— As duas meninas e um rapaz estão com a gente. O Superior também acha que estou trabalhando com eles. – ele diz. – Mas o rapaz baleado não sobreviveu.

Tem um nó do tamanho do mundo na minha garganta e tenho certeza que vou morrer sufocada.

— Rapaz baleado? – pergunto num sussurro, e não tenho certeza se alguém me ouviu.

— Gale... – Hunter diz tão baixo quanto eu, e passa a mão pelo rosto, notoriamente abalado.

— Gale? Gale foi baleado? Como isso aconteceu? – estou começando a entrar em desespero e por mais que soubesse que uma coisa dessas poderia acontecer com qualquer um de nós, a notícia ainda acaba comigo.

Gale tinha um pai. Uma mãe. Uma namorada.

Victória...

Deus, ela vai ficar tão arrasada...

Fecho os olhos lentamente e me desligo desse mundo, pelo menos por alguns segundos. Alguns segundos onde me permito fantasiar que isso tudo não está acontecendo e que não tem gente morrendo nesse exato momento e que tudo está em paz. Tudo está em paz...

— Como ia dizendo, – James continua sem se abalar. – Os outros sairão como vocês e em breve estarão em segurança de novo.

— E depois que vocês nos deixar num lugar seguro, o que vai fazer? – Hunter pergunta depois de um tempo.

James dá de ombros e parece indiferente.

— Vou tentar fazer algo diferente fora da Central. Afinal, o Superior também vai querer minha cabeça quando descobrir que soltei vocês.

De repente quero chamá-lo para ir para a Resistência conosco. Quero pedir que fique em segurança e subitamente sou preenchida por um sentimento de proteção, da mesma forma que preciso proteger Lucy.

Sentimentos fraternos.

Mas a Resistência não é minha; só faço parte dela. O que Trade pensaria se eu levasse o filho do Superior para sua instituição de anos? Nem mesmo eu sei se devo confiar nele. Isso provavelmente acarretaria uma série de problemas, então não falo nada, só deixo que a ideia queime em minha mente.

— E quando isso vai acontecer? – pergunto.

— Dentro de uma semana. Um dia antes do Superior voltar para a Central.

— E tem certeza que isso funcionará?

— Toda ela.

Ele fala com tanta convicção que acredito. E sei que Hunter também.

LIGHTS - Livro IIOnde histórias criam vida. Descubra agora