i put one foot in front of the other, slowly.

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não há motivo para que meus dedos tremulem tanto ao virarem novamente o disco na vitrola antiga. ninguém me mandou gostar de singelos entardeceres fantasmagóricos com discos satânicos mirabolantes e cortinas brancas bruxuleantes, só que isso aqui tá mais pra algum tipo de circo psicológico que nem em súplica angelical, voltaria a pegar fogo de novo.

e você já não está mais aqui para riscar fósforos enquanto chora porque já não há mais fogo possível que te amedronte tanto quanto as suas próprias lagrimas, jiho! a sua assombração corre solta pela casa com aquele olhar de praxe em tardes de domingo como essa. é um tremendo nada. um vazio tão grande que pode ser engolido numa única suculenta garfada bem no meio do seu coração de chumbo. e não tente abrir a boca de novo, porque você sabe muito bem que assombrações não falam, oras!

mas silêncio aí, por favor. comunicações do além de rendem grandes noites em claro tremulando tanto quanto as chamas vencidas das velas milenares que eu escondia atrás do sofá da sala na esperança de que mesmo com tanta preparação, a luz nunca viesse a faltar. não há estrutura para uma bobagem desse calibre, nem as crianças do bairro acreditam que lençóis são escudos protetores tão potentes quanto o sol da manhã que vai arrancando devagar a sensação nervosa de que eu preciso urgentemente ligar para alguém ou me comunicar com a realidade de alguma maneira que não me faça perder os miolos no meio de uma sopa numa madrugada solitária assim.

eu vejo cálices metálicos se quebrando ao passo em que eu viro cada uma das esquinas da minha própria moradia. o medo vai valseando caladinho por debaixo da pele das minhas costas e um anzol vai se formando lentamente. se eu me juntasse ao chumbo do seu coração e às cordas do seu violão póstumo, quem sabe eu poderia sair de madrugada para a beira de um rio raso demais para essa esquizofrênica caçada à procura de um pedacinho de carne que não seja a sua. quem sabe em algum momento eu fisgo um peixe daqueles grandes e encho a minha boca de espinhos enfeitados pronta para o carnavalesco tilintar dos cálices endiabrados da minha cristaleira antiga herdada da vovó. não há nada dentro de mim que cole e junte todos os caquinhos metálicos dos meus cálices melhor do que a saliva pegajosa de tanto comer doces corrosivos no café, almoço & janta. mas se eu te convidasse para um jantar após todas as camadas de medo serem apedrejadas neste longo delírio sangrento, você aceitaria sentar em frente à olhos vazios tão grandes que poderiam engolir o restante da sua alma ou você ainda não superou a facilidade que eu tenho em fingir que você ainda está viva, jiho?

eu sempre quis te levar pra jantar. quem sabe os buraquinhos arredondados nos cálices sejam devidamente rebocados após as sirenes chegarem e perceberem que há mais de um revólver escondido dentro da minha calcinha.

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⏰ Last updated: Feb 01, 2020 ⏰

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