II - Um dia de verão cheio de promessas

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Uma caixa telefónica azul de polícia materializou-se em plena luz do dia. Ninguém que passava pela rua parecia ter reparado nela ou nas duas figuras que saíram lá de dentro. Era como se sempre ali tivesse estado, aquela relíquia de outros tempos.

Ao sair para o exterior, Clara exclamou:

- Que dia de verão fantástico!

O Doutor, contudo, não partilhava do entusiasmo da sua companheira. Olhou muito sério para o céu claro e todo aquele silêncio bucólico parecia, de certo modo, extraordinário.

- Estou tão animada! – Clara dizia, pulando como uma criança no Natal prestes a receber os seus presentes. – É um sonho... quase um sonho tornado realidade. Nunca pensei que fosse possível conseguir os bilhetes para ir assistir a este evento maravilhoso! Dizem que teve lotação esgotada. Vamos fazer parte da História!

O Doutor resmungou, numa disposição oposta. Olhou do céu para ela, carrancudo. Preferia estar noutro lugar e não estava nada agradado com as perspetivas daquele dia. As voluntárias. E as dissimuladas.

- Hum...

- Vamos, Doutor... vais gostar deles. Eu sei que sim.

- Duvido muito.

Ela torceu a boca num esgar. Cruzou os braços.

- Criticas sempre os meus gostos. Quando sou eu que escolho um destino na consola acabo por ter de aturar uma dissertação tua sobre a minha decisão no momento da nossa chegada. Ou é o lugar, ou a pertinência histórica...

- Não é verdade! – contrapôs o Doutor, elevando as sobrancelhas.

- Então, diz uma coisa que eu gosto e que tu aprovas. Vamos, Doutor! Vamos, esclarece-me.

O Doutor olhou-a de baixo para cima, percorrendo-lhe a figura pequena e esbelta. Queria dizer-lhe que gostava das suas minissaias, mas achou melhor não fazer essa confissão. Ela estava a querer iniciar uma discussão e ele não pretendia seguir por esse caminho óbvio.

- Torta de cenoura? – arriscou.

- Eu não gosto de torta de cenoura.

- Oh, isso é novo! Tu sempre gostaste de torta de cenoura.

- Deves estar a confundir-me com um dos meus ecos.

Ele hesitou. Talvez estivesse mesmo a confundi-la com uma das suas várias versões, as Clara que vogavam dispersas pelo tempo e pelo espaço e que ele não conseguira salvar, apesar de todos os seus esforços e vontade. E sentia-se incrivelmente triste por isso.

- Desculpa.

- Sim, é bastante irritante quando fazes isso – disse ela, sem perceber que o Doutor não estava a desculpar-se apenas pelo engano. – Baralhares tudo. Dás a entender que talvez não te preocupas tanto com... com o que está à tua volta.

- Bem, Clara, quando temos várias vidas é normal termos tudo misturado.

Ela estalou a língua e não retrucou. Estava com raiva dele e não era assunto recente. Naqueles últimos dias, o Doutor tinha reparado que Clara não lhe respondia da mesma forma. Julgou que ela poderia estar mal-humorada por causa dos seus problemas terrestres, aquelas questões mesquinhas tipicamente humanas, mas agora percebia que era por causa dele.

- O que queres de mim, Clara? Levo-te sempre aos lugares que pretendes ir, deixo-te operar a consola e tomares a decisão mais importante da navegação, só fico a saber quando alcançamos o destino. E isso não basta?

O Mágico e Os Ladrões de SomOnde histórias criam vida. Descubra agora