Capítulo 15 - Encontros

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Ela é bonita, apesar do ar de cansaço. Tem a pele morena, formas arredondadas e olhos gentis por trás do jeito estressado. À primeira vista, parece uma mulher comum, mas depois de um tempo você percebe que ela tem traços inconfundíveis, um rosto marcadamente quadrado e um maxilar anguloso que contrasta com o nariz pequeno e com a boca delicada e feminina. Já faz alguns minutos que eu a estou observando, desde que cheguei aqui, mas ainda não sei o que tenho que fazer. Só sei que é ela.

Soube disso no instante em que a vi, sentada no ponto de ônibus, com ondas de melancolia cinza emanando do seu corpo e fazendo com que as pessoas que vão e vêm se mantenham instintivamente distantes dela. Há alguma angústia no coração dessa mulher e é meu dever consertar, por isso estou aqui, ainda que me sinta morta de cansaço.

É sábado de manhã e trabalhei até altas horas da madrugada ontem, mas mal encostei a cabeça no travesseiro e já acordei com a sensação de que tinha que estar aqui hoje, então eu vim.

Quando vê o ônibus se aproximando ao longe, a moça se levanta. Não há mais nenhum passageiro por perto e imediatamente percebo o que tenho que fazer: não posso deixar que ela embarque. Tenho só uns milésimos de segundo para decidir como vou fazer isso e estou andando apressada na direção dela, tentando pensar em alguma coisa a tempo, mas então percebo que é meu corpo que tem que agir.

Ao invés de parar ou me desviar dela quando me aproximo, continuo andando e me choco contra a moça com força, bem quando está levantando o braço para dar o sinal. Como ela é maior do que eu, é meu corpo quem leva o prejuízo na trombada e eu caio sentada no chão. Dói um pouco e aproveito para fazer uma ceninha para distraí-la mais uns segundos.

— Aaiiii! — choramingo.

O corpo da moça oscila ligeiramente com o impacto, mas ela se equilibra facilmente, massageando o braço que bateu em mim como se estivesse dolorido. Entretanto, o sinal mais evidente dos efeitos de nosso "encontrão" está no rosto dela: verdadeiramente possesso quando olha para o ônibus que passou rápido por nós se afastando. Nem tenho tempo de pensar no tamanho da minha sorte porque nenhum passageiro tinha que desembarcar aqui. A moça, contudo, continua furiosa e me chama de uma coisa que eu não vou dizer, porque, bem, você sabe, eu sou um anjo e tal.

— Você não olha por onde anda, não?

— Desculpe — respondo, apoiando as mãos no chão para poder me levantar e depois batendo uma na outra para tirar a poeira. — Eu estava distraída. Estou tão cansada que mal sei o que estou fazendo. Acabei de sair do trabalho faz pouco tempo. Sabe como é, garçonete de balada, noite de sexta-feira... Foi mal mesmo, eu só estava tentando ir para casa.

Isso parece deixá-la menos brava. Ela alisa sutilmente o uniforme que está vestindo, o de um salão de beleza, e provavelmente pensa no dia árduo de trabalho que tem pela frente.

— Tudo bem — ela diz, a raiva em seu rosto e em sua voz já suavizada. — Mas agora por sua culpa eu vou chegar atrasada no meu trabalho. De sábado o intervalo entre os ônibus é maior, vai demorar no mínimo uns vinte minutos pra passar outro.

— Ah, meu Deus. Sinto muito. Mas me deixe corrigir isso, vou pagar um táxi para você.

Eu tinha acabado de ver o carro que encostou na parada de táxis e soube que ela tinha que estar dentro dele em vez de em um ônibus. E tinha que ser naquele táxi.

— Não, não. Imagina! — ela responde, surpresa e assustada. — Você não precisa fazer isso. Táxi é muito caro. Também não é tão ruim assim eu me atrasar. Vão castigar meus ouvidos, mas até aí... Já fui garçonete e sei que a ninguém está pra ficar jogando dinheiro fora.

Entre a Luz e as SombrasOnde histórias criam vida. Descubra agora