CAPÍTULO XIV - Parte 1

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Sallah finalmente estava com o braço livre. Antes de dormir teve alta da doutora elfa e logo cedo correu para o pátio de treinamento onde Lucius e Karin treinaram nos últimos dias. Foi o primeiro dia que acordou antes de Karin, Antares ainda não havia nascido. Queria aproveitar o local vazio para se desenferrujar. Alongou-se - tomando um maior cuidado com o braço direito - e aqueceu o corpo. A fria manhã pedia a capa, mas dispensou o acessório. Sentia-se estranhamente confortável naquela situação, "Talvez pelos recém descobertos poderes de gelo" pensou ela. Liberou seu bastão e o girou vagarosamente para um lado e para o outro, lembrando do primeiro exercício que Alassiel havia lhe passado. Não sentindo nenhum tipo de incômodo no ombro acelerou o movimento. Parou-o bruscamente, segurando a arma com as duas mãos à frente do corpo, na horizontal. Rodou o bastão por trás do cotovelo e colocou-se em posição de ataque. Desferiu um golpe na diagonal contrária ao pé que levou para frente, e alternou-os algumas vezes. Girou sua arma para trás do corpo, virando-se em seguida. A jovem dançava como se estivesse rodeada por inimigos. Colocou uma das extremidades do bastão no chão e o usou de apoio para um salto, caindo elegantemente à alguns metros de onde saiu. Pôs-se de pé olhando o céu: Antares nascia por trás das árvores de Delëndíl.

Lucius chegara na área de treino em tempo de ver o salto da moça, mas preferiu esperar ela terminar o que estava fazendo antes de aparecer. Por algum motivo a jovem não gostava de praticar na frente dos outros e ele percebera isso ao longo das viagens: ela sempre treinava silenciosamente nos seus turnos noturnos dos acampamentos. Aproximou-se de Sallah, que estava de costas para ele - distraída observando o nascer de Antares -, passou seus braços pela cintura da moça e fungou-lhe o pescoço abaixo da orelha direita. Ele riu de leve ao perceber que assustara a jovem:

- Eu ia acordá-la para fugirmos um pouco, mas você fugiu primeiro... - beijou-lhe o mesmo local e ficou abraçado a ela.

Sallah arrepiou-se. Não soube dizer se seu sentimento pelo rapaz que a deixava mais sensível aos toques dele ou se seus sentidos recém aguçados que a deixavam assim. Ela virou-se para Lucius, acariciou-lhe a face e o beijou:

- Bom dia para você também. - sorriu.

- Quer companhia? - ele disse olhando para o bastão na mão da jovem.

- Ah... Não precisa. Estava apenas me alongando um pouco... - ela respondeu já fechando a arma de volta no pequeno cilindro - Onde quer ir?

Sem respondê-la, Lucius a pegou pela mão e a levou castelo adentro. Era cedo e poucos estavam acordados, então percorreram os corredores em silêncio. Chegaram à uma pequena sala. Nela havia algumas estantes de livros, um aconchegante sofá em frente à uma lareira e uma translúcida cortina. O rapaz abriu a porta balcão sem afastar a cortina e chamou a moça, revelando um belo e pequeno jardim. A flora apropriada para a Época de Mahina que chegara estava verde e vívida. Um charmoso banco de madeira à direita no espaço, com altas arandelas em cada lado deste e, bem no centro, um singelo canteiro cheio das flores brancas e azuis, entregando o local de onde fora coletada alguns dias antes. As pétalas estavam levemente congeladas pelo orvalho da madrugada que ainda derretia com Antares surgindo ao céu, mas as Caeruleas estavam lindas e perfeitas mesmo sob o gelo. Sallah as contemplava com brilho no olhar. Lucius a observava. Ainda de mãos dadas, com os dedos entrelaçados, ele apertou a mão dela com carinho e disse:

- Nem tudo que remete ao gelo é ruim... - sorriu singelo. Certas coisas não precisavam ser ditas quando se referiam a jovem, pois ela era extremamente transparente em relação aos próprios sentimentos e alguns deles não precisavam ser expostos para serem entendidos.

Sallah demorou alguns segundos para virar-se para o rapaz, surpresa com o que ele dissera. Sim. Para ela, desde a conversa com a Rainha Erëndriél, "gelo" fora associado a algo ruim. Estava com medo do que o futuro lhe mostraria - e do que poderia se tornar -. Com os olhos cheios d'água abraçou Lucius com força. "Obrigada", disse baixo. Ele afagou os cabelos da jovem e depois ergueu seu rosto, limpando a lágrima que escorria. Encostou a testa na dela e em seguida beijou-lhe os lábios.

- Você quem define seus poderes, não eles que te definem. - sorriu, e a moça retribuiu.

Faltava um dia para partirem de volta para Selenthar, então os serviçais elfos já preparavam os suprimentos e acessórios dos cavalos

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Faltava um dia para partirem de volta para Selenthar, então os serviçais elfos já preparavam os suprimentos e acessórios dos cavalos. A montaria do grupo de Guardiões fora recuperada na noite do ataque. Os animais correram na direção do rio - área monitorada pelos elfos - e por esse motivo alguns guardas dirigiram-se à floresta e encontraram o trio. Cavalos selados sem seus cavaleiros eram deveras suspeitos. Sallah e Lucius passaram pelo local antes de retornarem ao grande salão e encontrarem Karin para o almoço. A primeira pensou em Renhvid por um instante. Não tinha dúvidas de que estava sendo bem tratado por Dan e agradeceu por eles não estarem ali, por não terem passado pelo susto que fora o ataque.

Seguiram para o salão e Karin estava à mesa, acompanhada de Elendïl. Elas conversavam seriamente e pareceram mudar de assunto quando o casal se aproximou.

- Onde vocês estavam?? - Karin pareceu aliviada ao ver os dois chegando.

- Estávamos na área de treino e depois fomos dar uma volta pelo castelo. - Sallah sorriu.

- Como se sente? - Elendïl perguntou ao notar que a jovem não estava mais com a tipóia.

- Bem! Muito obrigada por tudo. - a jovem fez uma sutil reverência com a cabeça.

Por fim sentaram-se à mesa. Elendïl pediu licença e se levantou alegando que ia chamar a Rainha para juntar-se a eles neste último almoço no reino. Karin estava quieta, sentia-se excluída desde que chegaram à Delëndíl. Sallah disse que nada acontecera entre ela e Lucius na primeira noite - que apenas passaram a noite conversando - tanto que nas noites seguintes cada um ficou em seu quarto. Karin achava que estavam escondendo algo, mas não tinha certeza o que seria. Estava também preocupada com o conversa que ela e Elendïl tiveram, mas iria esperar para voltar a pensar no assunto. Erëndriél e sua conselheira chegaram ao salão e, assim que a Rainha acomodou-se na ponta da mesa, o banquete fora servido.

- Estou aqui hoje como uma de vocês, então peço que, a partir do momento que estivermos fora desta cidade, que me chamem apenas pelo meu nome.

Os três Guardiões se entreolharam sem entender.

- Sou a única que sabe o local mencionado no diário, e assim pretendo manter... - explicou - Elendïl já fez contato com nosso povo em Mérüen e o Dragão que vive lá tentará fazer contato com o irmão. Nos encontrarão assim que possível.

- Partiremos amanhã assim que o céu mostrar os primeiros raios de Antares. - Elendïl completou - Desta vez os suprimentos serão por nossa conta. Então estejam prontos e sem atrasos. - arrumou os óculos na face e sorriu gentilmente.

Apesar do sorriso gentil, Elendïl pareceu ameaçadora naquele momento. "Acho que ela não gosta de atrasos", foi o pensamento que os três tiveram.

***

Silver Leaves - O Dragão Negro (COMPLETO - SEM REVISÃO)Where stories live. Discover now