Por você...

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Seus grandes olhos vazios fixaram-se na parede de coloração branca, a dor que sentia tornava impossível a mobilidade no chão. As lágrimas já haviam secado e tudo que pensava era nas escolhas diferentes que poderiam ter feito e mudado o rumo daqueles acontecimentos.

Um gosto amargo subiu por sua garganta e tossiu uma grande quantidade de sangue que molhou seus longos fios negros agora desarrumados. Tocou no ferimento que queimava e notou o grande furo feito no tecido de seda, aquele desgraçado havia sujado seu belo vestido de sangue, o seu sangue!

As forças que ainda tinha se esvaiam a cada minuto passado, em conjunto a grande poça de sangue que se formava sob seu corpo. Sentiu vontade de chorar como uma criança, mas acabou rindo da desgraça em que sucumbia sua vida antes perfeita. Como se orgulhava de ser a esposa de um grande político, vindo de uma família de conduta impecável, ou pelo menos achou que era pois, nos últimos meses, sua vida havia se tornado um verdadeiro inferno. E nada podia fazer, afinal seria um grande escândalo, não queria manchar seu próprio nome, taxada por escolher o homem errado.

De repente, todos seus músculos enrijeceram-se ao escutar a voz de seu filho pequeno que descia a longa escadaria olhando ao redor confuso. Os chamados pareciam assustados, fazendo-a se questionar se ele havia escutado quando fora jogada sobre a vidreira, ou se apenas estava com medo da escuridão.

– M-mamãe... – Ele balbuciou com uma voz trêmula, os olhos arregalados enquanto mirava a cena à sua frente, seu minúsculo corpo encolheu-se e recuou alguns passos para trás.

– Saia cof cof... Saia daqui... – A mãe murmurou com dificuldade, quase em um sussurro estrangulado e olhou em volta temendo que o homem responsável por seu sofrimento retornasse.

– O- o que está acontecendo? A criança tornou a perguntar, tomou coragem e se aproximou desviando dos cacos de vidro e respingos de sangue.

Uma risada macabra ecoou pelo cômodo coberto pela penumbra, passos foram ouvidos e logo, puderam ver um homem alto sujo de sangue e com um copo de whisky em mãos, parecia estar se divertindo com a cena que observava.

– Porque está chorando por essa put*? Questionou ainda com um sorriso sádico, agarrou seus cabelos tão negros quanto os da mãe e o ergueu do chão. – O que acha que pode fazer?

Ao terminar a frase, começou a espancar a criança que tentava se proteger desajeitadamente enquanto chamava pela mãe. Ouvir seus gritos deixou a mulher ainda pior, e por mais que tentasse se ergue, seu corpo não possuía forças para se manter de pé.

Estava conformada com a ideia de que morreria agonizando naquele chão frio, não estava surpresa, visto que seu marido já vinha dando sinais de seus declínios psicóticos. Mas em momento algum imaginou que ele se voltaria contra seu próprio filho, e herdeiro.

Se lembrou de quando a criança nasceu, seus grandes olhos azuis herdados do pai que contrastavam com seus cabelos negros e curtos. O marido parecia tão feliz que, naquele momento, imaginou que jamais lhe causaria tanta dor. Sentiu seus lábios sendo beijados com paixão e lhe sorriu sentindo-se fraca, o parto havia lhe causado bastante sofrimento, mas fechou os olhos sorridente, se permitindo descansar enquanto pensava no nome que dariam ao pequeno anjo em seus braços.

A perda de sangue estava fazendo-a delirar, lembrando-se de trechos de seu passado, sentia a morte se aproximando causada pela hemorragia e choque. Contudo, ao ouvir os chamados assustados de seu pequeno filho, uma força inesperada surgiu. A adrenalina injetada em seu sangue possibilitou que se erguesse, utilizando uma cadeira como auxílio. Apertou um grande pedaço de vidro que estava preso em sua perna e o arrancou fazendo mais sangue jorrar.

– Fica... longe... DO MEU FILHO! Ela cada palavra enquanto se jogava sobre o homem que ainda segurava seu pequeno menino pelos cabelos com violência.

O pedaço de vidro entrou no pescoço musculoso do homem que gritou de dor e com a mão tentou parar o sangramento que começava a manchar sua camisa social branca.

– Eu vou te matar, sua vagabund* ! Tornou a gritar cambaleando para o lado, mas a jovem não esperou para ouvir os palavrões que eram desferidos contra si, amaldiçoando seu nome.

– você está bem meu anjo? A mulher perguntou limpando o sangue do rosto do filho para verificar se estava bem e quando certificou-se de que aquele sangue na verdade era seu, se acalmou e o carregou para o primeiro andar com dificuldade.

Olhou algumas vezes para trás, vendo que seu marido não se erguia e rezou que estivesse morto, reuniu todas as suas forças e entrou no quarto do casal, enfiando quantas roupas pode numa mala pequena. Após pegar tudo o que podia, incluindo a mala que havia feito para o filho dias antes, planejando o mandar para a casa de algum conhecido caso a situação que piorava, ficasse fora do controle, entrou no escritório e encontrou uma grande quantidade de dinheiro em espécie, pegou tudo e enfiou na bolsa menor que carregava a tiracolo.

Ele, se estivesse vivo, a mataria quando descobrisse.

Retornou ao primeiro andar, passando pela sala onde o marido se erguia com dificuldade. Ao vê-la, tentou a parar, segurando seu braço com violência, mas por estar fraco acabou deixando-a escapar. Temendo pela própria vida e a do filho, a mulher correu porta afora, cortando caminho pela floresta escura ao redor da propriedade.

Os galhos rasgavam suas roupas e a pele nua de suas pernas, sentia seus pés sendo esfolados pela areia áspera, mas em momento algum afastou-se do filho que grudava em seu tronco como um carrapatinho. Correu sem rumo, não possuía parentes daquele lado do país e temia que o marido os seguisse então, nenhum lugar seria seguro.

Aproveitou que passaram perto de um lago, e limpou o sangue neles, verificando como o menino estava, feliz ao perceber que não havia nada sério, seus próprios machucados e cortes ainda sangravam um pouco, mas não se importou, precisavam seguir em frente.

Respirou fundo e se aproximou da estação de trem que ficava alguns quilômetros dali. Mal aguentou chegar à plataforma, o cansaço e a dor quase a paralisaram novamente, mas prometeu a si mesma que teria um descanso assim que chegasse a alguma pousada.

A viagem seria longa, sentia seu corpo febril, mas ao notar os primeiros raios da manhã, sentiu suas esperanças revigoradas, mostrando que era um novo dia, havia resistido à escuridão da noite, e poderia seguir em frente.

Você Realmente Me Conhece?Where stories live. Discover now