Um Desabafo.

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Ultimamente eu não tenho dormido quase nada e isso começou depois que eu briguei com a minha irmã mais velha. Desde então eu, que já tinha meu sono trocado, já não consigo mais dormir por mais de cinco horas por dia. Durante a noite, quando eu fecho meus olhos pra tentar dormir, eu começo a reparar no meu próprio sono, tentando perceber o momento em que eu vou adormecer. Contudo, é estranho que durante o dia.. Das doze as nove horas, eu consiga pegar no sono mesmo contra a minha vontade, acordando várias vezes durante ele. Eu tenho medo de passar o resto da minha vida desse jeito. E eu não tenho ninguém com quem conversar sobre isso... Eu nunca tive ninguém para eu poder conversar sobre meus muitos problemas. Porque a maioria deles são do tipo que a minha família nunca entenderia... Eu vou começar a falar sobre eles e com isso, tentar melhorar a sensação horrível que o acúmulo de todos eles está me causando. Contudo, eu tenho que assumir a minha parcela de culpa.

Eu troquei meus horários de sono por anos a fio, fiquei viciado em café, bebi muito mais do que o recomendado, e minha alimentação não tem rotina ou é organizada... Escrever foi um tipo de momento mágico na minha vida onde eu podia escapar para o mundo que eu criei. Um mundo sem o medo que a minha vida rotacionava. Depois que eu comecei a fazer isso, eu me senti ja tão melhor do que eu me sentia agora. Claro, eu não estava sofrendo com a insonia o tempo inteiro como agora... Eu tinha meus horários pra dormir e tava tudo bem... Mas emocionalmente eu me sentia na beira de precipício e o motivo, vou contar no futuro, muito em breve...

Antes de dizer o que eu sentia agora... Eu acho que era importante falar sobre o que me causou tudo isso... E a verdade, é bem mais absurda do que a cabeça de vocês pode estar pensando.  Vamos pelo começo. Bem, como muita  família brasileira, a minha é católica e era do tipo de católico que é católico só quando era conveniente... Desde de  pequeno, eu sabia que era diferente dos outros garotos. Eu não me sentia tão confortável perto deles, quanto eu me sentia confortável perto das meninas... Contudo, mesmo elas não gostavam de mim... As pessoas em geral, tinham tendência a me usar ou a me ver como alguém indigno de um sentimento de igualdade e depois de muito tempo, eu percebi que os seus motivos eram bem mais simples do que eu pensava. O primeiro deles era o mais óbvio.

Eu era gay e com gestos afeminados.

Eu passei a maior parte da infância sendo julgado pelos outros, muitas das vezes sem que eu nem percebesse que estava sendo julgado. Pelos meus primos, pela minha avó materna, pela minha irmã... Eu não tinha amigos que me acolhessem, eu nunca tive na verdade. Eu não experimentei toda aquela amizade dos personagens dos livros e filmes. Onde se entendiam por inteiro e se apoiavam... Eu era o cara que ficava sozinho desenhando coisas aleatórias no quadro de giz durante o recreio escolar.. E grande parte dessas coisas, eu nunca contei a ninguém por que eu me sentia um fracasso... Então a adolescência chegou, e com ela, fora o tamanho do corpo que eu odiava e os pelos que eu também odiava, veio a constatação de tudo aquilo que todas as pessoas sempre apontaram que eu era...

Gay. Viado, baitola, qualira e tudo isso que pessoas como eu tinha que ouvir a vida toda... Eu tentei ser normal, me encaixar nos garotos por um tempo e o resultado, foi desastroso para dizer a verdade. Ninguém queria ficar perto de mim ou me escolher para os times. Eu estava sozinho em casa e na escola. Sozinho em casa porque, apesar de a minha mãe demonstrar o amor dela de todas as formas, eu sabia que todo o amor era para o garoto que ela tinha idealizado que eu era, não para mim... Meu pai era um machista, além de um racista e homofóbico. Minha mãe era ainda pior, quanto a ser homofobica... Eu tinha que ouvir ela me dizer todas os dias, principalmente quando ouvia notícia sobre LGBTs que eu era do mal e queria roubar os homens de todas as mulheres por ordem do diabo. Sim, ela falava essas coisas. E claro, eu não podia deixar transparecer o quanto o que ela disse me deixou destruído por dentro... O quanto eu me sentia ruim comigo mesmo. Eu apenas sorria, não dizia nada e continuava a minha vida.  O meu primeiro grande trauma sobre isso foi quando eu fui arrancado pela minha irmã mais velha do armário e tive que lidar com as expressões cheia de nojo dos meus pais, olhando para a minha cara e falando coisas tão ruins que eu nem sabia como conseguia me forçar a escrever... "Fique longe das minhas filhas", a minha mãe falou enojada...

Essa frase foi a pior coisa que eu tive que ouvir em toda a minha vida e foi a constatação de eu estava sozinho na vida... O modo como ela falou aquilo... Como se a partir desse momento, não fosse mais um dos filhos dela... Eu me senti tão mal... Eu lembro que passei a semana inteira sendo ignorando e eu tive que negar quem eu era pelo amor deles... Por que, se eu não tivesse nem o amor dos meus próprios pais, o que eu teria?! Eu comecei a me desligar da minha família aos poucos, e todo dia ao acordar, eu lembrava do fato de que um dia, eu teria que escolher... Eu teria que escolher entre ser eu mesmo ou continuar com a minha família por perto... Me assustava saber que eu já tinha feito a minha escolha... Porque a consequência dela era a total solidão e isolamento...

Depois de ser arrancado do armário, a verdade é que todos começaram com a fingimento mais óbvio do mundo. A minha família começou a fingir que as coisas daquela noite nunca foram de verdade e eu convenientemente só aceitei. Porque eu não queria que eles  me olhassem como um pedaço de feio de merda... Durante o ensino médio, eu conheci o Felipe... Ele era legal, mas eu consegui estragar o que já não era lá tudo isso, sendo exatamente o tipo de pessoa que eu jamais queria ser... E no final do ensino médio, a gente não se falou mais... Nós éramos parecidos em nossos gostos, ele me tratava feito gente e até me achava mesmo legal... 

A pior parte disso tudo foi que ele foi a primeira pessoa por quem eu senti algo real... Mas ele era hétero e eu já tinha ferrado com tudo mesmo então deixei ele para lá e segui para São Luis para fazer minha faculdade de direto. No começo, eu conheci Karliane. Uma garota lésbica que se tornou a minha melhor amiga depois de um tempo... E a parte mais péssima de tudo isso, foi o fato de que eu não sabia se isso era a mesma coisa pra ela ou se ela gostava de mim como igual. Contudo, quando  o tempo foi passando, eu percebi que eu não era tão importante pra ela, não como ela era pra mim... Ela era minha melhor amiga e eu era só um amigo da faculdade pra ela. Perceber isso me me concentrar ainda mais nos meus livros. Era a única coisa em que eu era bom e recebia reconhecimento... Fora isso, eu não era nada demais... Nada além de um garoto gay com uma família de faz de conta vivendo uma vida feita de faz de conta...

Os períodos foram passando, e eu fui só fazendo faculdade sem ter mesmo certeza do que eu estava fazendo... Eu fui sobrevivendo no meu mindinho de merda apenas porque eu não tinha outra opção... Até que eu conheci um cara, chamado Ribamar, numa balada de São Luis... Ele era intenso, e parecia querer algo sério comigo... Mas toda a intensidade dele me assustou e eu só o afastei, voltando ao meu mundo feito de mentiras porque é bem mais fácil do que a realidade... Eu me senti pior porque eu o enganei quando ele não tinha motivos para ser enganado... E a pandemia começou. Bolsonaro entrou na presidência com sua boca feita de merda e ódio e eu apenas me deixei ser consumido pelo medo... Dominado por ele... E se ele criasse uma lei para os gays serem criminalizados?!E se eu nunca tivesse a chance de viver quem eu era de verdade depois de conseguir a independência dos meus pais?!Isso só me consumiu. Mas eu ainda estava me mantendo de pé, apesar de estar cheio de buracos... Eu podia lidar com isso. Eu podia lidar com toda a minha melancolia... Minhas irmãs aceitavam o fato de eu ser gay, então eu poderia contar com elas... Mas isso mudou bem recentemente, cinco dias atrás.

Minha irmã tinha a necessidade de ser mentirosa quando ela nem tinha motivos... Ela estava saindo com um cara e os nossos pais sabiam disso... E tinham aceitado... Mas ela mentia pra eles mesmo assim, saindo escondido... E isso me revoltada. Ela era livre para ser ela mesma e expressar amor dela sem ser julgada... E ainda assim, ela só mentia e uma dia, quando eu briguei com ele, falando sobre isso... Ela falou que eu deveria parar de me vitimizar por ser gay.. E isso me enfureceu tanto que foi a gota da água... Eu me enchi de café e fiquei a noite toda pensando e remoendo isso depois da briga... Eu não dormi como das outras vezes... Eu fiquei acordado e passei a dormir um pouco durante o dia... Não lembro de como era ter uma noite de sono feliz... E estou com medo de nunca mais ter... A noite, passei a sentir essa angústia... Que me fez escrever isso pra vocês e a verdade, é que eu não sei mais o que fazer com a minha vida... Toda noite, eu choro, sentindo isso... Algumas das noites, eu chorava mais, outras menos e vou seguindo a minha vida. Eu estou de joelhos, como um cachorro morto recebendo chutes sem parar... Eu nem posso mais ficar aqui... E desculpem se eu incomodei vocês com isso... Eu só tinha que falar sobre isso e essa foi a única forma que eu achei.

Ascensão do Ômega( Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora