Capítulo um- O totalmente outro

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Fazia um calor infernal de março. A sala de física exalava uma sinfonia peculiar, que era a mistura do barulho do giz riscando, da explicação monótona do professor e o ranger ventilador.

Em suma, parecia uma classe completamente convencional, mas não para João Paulo. Algo não estava certo. Na verdade, havia algo de muito errado com o mundo inteiro.

A voz inexpressiva do Professor Nereu foi interrompida pelo soar do sinal da escola, terminando assim mais uma primeira semana letiva tediosa.

— Não esqueçam de fazer os exercícios das páginas 65,66...—disse o docente, em vão, porque quase ninguém prestou atenção.

Já saindo da sala, João caminhou pelo corredor pouco iluminado, que mais parecia um corredor de prisão— até que sentiu um toque no ombro.

— Essa escola pega pesado mesmo, hein?... mal começaram as aulas já quero férias!

João se virou e era um jovem de óculos Juliet, chamado Djovani, o mais próximo que ele tinha de um amigo. Isso porque nunca teve realmente um amigo, ou melhor, nunca tivera alguma relação interpessoal profunda. Tudo isso se devia ao seu mais antigo e profundo dilema.

—Realmente —Disse ele, desviando o olhar para ver uma garota, a qual lhe atenção, que tinha cabelo curto azul—quem é aquele ser?

—Ela, meu bruxo? É da nossa turma... o nome dela é Lavigne, eu acho—Respondeu Djovani, com um olhar curioso—quer saber por quê?

—Nada!

—Ok, então...

—Bem... tenho que ir. Até mais—acenando com a cabeça.

—Falou!

Cruzou o portão da escola e caminhou pela calçada estreita , em direção ao ponto de ônibus. Estava completamente absorto em seus pensamentos. Não sabia o porquê, mas aquela garota tinha o fascinado. Ela não parecia como nada ao seu redor, quer dizer, não parecia daquele mundo. Ao que tudo indica, devia estar delirando.

Lavigne, não é? Não sei... boa demais... pra ser real—disse consigo mesmo.

Perfeito. Falando sozinho mais uma vez. Estava chegando ao seu destino, que era logo ao dobrar a esquina à direita. Quando seus olhos alcançaram a visão do ponto de ônibus, ofuscou-se, novamente, pela imagem da moça. Por algum motivo, sem pensar, correu em sua direção. Mas não rápido o suficiente, pois ela entrou em um coletivo e sumiu. Droga, pensou ele.

João Paulo esperou cerca de quinze minutos até o seu ônibus chegar. Estava completamente lotado e, além disso, o senhor ao lado tinha odor de suor. Ele talvez se importaria caso fosse uma pessoa comum, mas não era, porque seu dilema, que não o permitia. João paulo não conseguia acreditar que nada ao seu redor era real.

Na verdade, provavelmente era, mas não podia provar. E isso o incomodava. Só seria capaz de provar sua própria existência, porque pensava e, se podia pensar, existia. Descartes, como havia visto em uma aula de filosofia, havia dito isso em sua célebre frase.

Este havia sido o motivo dele nunca ter tido amigos ou outro relacionamento minimamente profundo, se seu próximo não passava de uma ilusão? Como poderia viver normalmente sendo que não podia ter certeza da existência do outro? Quem poderia afirmar que tudo não passava de uma obra de literatura ruim? É assim que pensava.

Então, seu objetivo máximo sempre foi, encontrar o totalmente outro, o real. Algum dia, talvez sairia deste "livro", ou que quer que seja sua realidade. 

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⏰ Last updated: Mar 26, 2020 ⏰

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DasgazânderWhere stories live. Discover now