Capítulo Único

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Podia sentir em seus braços a pequena figura da deusa, enquanto seu choro o mantinha acordado. Naquele momento, com a consciência se esvaindo à medida que o cheiro de sangue se intensificava no ar, o cavaleiro rezava para que aquela criança lhe desse forças para continuar até um lugar seguro. Segurando-a em seus braços os vestígios de força que conseguia juntar, pedia para que pudesse vê-la a salvo antes que a inconsciência o alcançasse.

A única resposta que obtinha, no entanto, era o som de seu choro, cada vez mais alto. Aiolos se encolhia, prestes a desmanchar-se também em lágrimas, enquanto o chamado da deusa preenchia tudo, mas nem isso era capaz de dar-lhe forças para continuar lutando. Ela chamava por ele, ele tinha certeza. Chorava para que sua voz o fizesse permanecer acordado. Ele deveria ser mais forte? Deveria ser capaz de retirar forças daquele pedido?

—Não serei capaz de cumprir minha missão, Athena...— As palavras se formavam com dificuldades, algumas falhadas, outras baixas demais, porém sabia que a deusa não necessitava de uma verbalização para entende-lo.

Ao contrário, porém, da decepção que esperara ao admitir que não conseguiria salva-la, a deusa abandonou o pranto e sorriu.

Não mereço sua misericórdia, o olhar do cavaleiro dizia, mas antes que pudesse tentar fazê-lo em voz alta, o som de passos chamou sua atenção. Foi por isso que ela parou de chorar, percebeu o cavaleiro. Ela chamava por ele, sim, mas sabia que sua batalha já havia chegado ao fim. Chamava por ele para que ele tivesse a oportunidade de vê-la estender os bracinhos em direção àquele homem que adentrava o local, de saber que ela ficaria bem.

Aiolos sorriu. Aquela era Athena, bobo era ele de pensar que ela não conseguiria resolver aquilo sozinha, mesmo tão pequena.

—As forças do mal estão no santuário, e juraram matar este ser inocente, proteja-a.— as palavras saiam com dificuldades no início, mas adquiriam uma clareza impressionante a medida que falava. —Fiz o que pude e consegui traze-la até aqui, mas muitos dos cavaleiros foram fascinados pelo poder do mal sem o conhecimento de nosso mestre. Eu não conseguirei ir mais longe, por favor, proteja esta menina.— o ar pareceu se extinguir em seus pulmões naquele momento. A fala, por mais que inacreditavelmente clara, era um esforço grande demais. —Ela é a reencarnação da deusa Athena, que retorna sempre que o mal tenta dominar o mundo. Mais cedo ou mais tarde cavaleiros muito corajosos lutarão ao seu lado para garantir a sua segurança. Eles lutarão até a morte para salvar o planeta dos horrores que o ameaçam. E quando um fabuloso cavaleiro se destacar entre eles, entregue-lhe esta armadura de ouro, a armadura sagrada de sagitário.— e então aquela força que tomara conta de si o deixou, e ele sentiu como se caísse novamente para o próprio corpo, sentindo as consequências daquela pequena benção que o inundara, o permitindo compartilhar aquelas informações.

Não se lembrava de ter se movido, não sabia se acontecera enquanto falava ou se a pancada que sentira fora unicamente devido ao esforço que fizera, mas era uma misericórdia da deusa. Seus olhos não se abriram novamente depois de que sentira as costas encontrarem novamente a pedra fria, e não se sentia infeliz por isso. Cumprira sua missão, afinal.

Ouvira a voz do homem, ele parecia se distanciar cada vez mais, sua voz se tornando quase um eco. Estaria chamando por si? Não importava mais. Sentira aquela pequena fonte de calor ser retirada de seus braços, e então, antes que lhe fosse possível sentir frio, deixara de sentir qualquer coisa.

Era como se flutuasse. Ali, naquele lugar onde as sensações de seu corpo físico não o alcançavam, ele era apenas sentimentos. Memórias começaram a lhe alcançar, como se cenas da vida de outra pessoa. Ele via a si mesmo, ao irmão. Via ao mestre do santuário. Pessoas que amara, memórias que poderiam ter-lhe concedido um sorriso, se ainda sentisse seu corpo.  

A Morte e as Memórias de Aiolos de SagitárioWhere stories live. Discover now