Colonialismo

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— Escuta, não é hoje o aniversário daquela mina lá, não?
— Existem muitas “minas”, meu ambíguo camarada. A qual te referes?
— Àquela que você disse que tava “namorando”.
— Falas da esfuziante Cristina, obscuro amigo?
— Essa aí!
— Deixe-me esclarecer que sua tentativa de implicar que minhas informações sobre o namoro não passavam de devaneios são grosseiras, para dizer o mínimo! Estamos namorando, de fato!
— Não estamos nada!
— Falava de mim e dela, caro galhofeiro!
— Tá, tanto faz. Não é hoje o aniversário da guria?
— Sua informação é verdadeira, ó, bem-informado colega.
— E você tá aqui, neste boteco, comigo, fazendo o quê?
— Ora! Degustando esta deliciosa bebida produzida a partir da fermentação de cereais maltados, obtuso comparsa.
— Você entendeu! Aniversário da sua menina e você aqui, comigo, em vez de estar com ela?
— Não entendo sua estupefação, meu pasmo parceiro.
— Não entende? Você compreende que uma das diretrizes mais básicas do implícito contrato de mutualidade conhecido como “namoro” diz que os aniversários devem ser passados JUNTOS?
— Você me decepciona, meu tacanho amigo!
— Imagino o quanto.
— Permita-me ilustrar melhor a situação para seu simplório conhecimento, atônito rapaz. Estudaste história?
— É claro que sim.
— Pense, então, em termos de colonialismo europeu. Nós, homens, somos as pequenas metrópoles européias: desenvolvidas, civilizadas, refinadas, porém limitadas.
— Sei.
— As mulheres, por outro lado, são os continentes desconhecidos. Vastos, belos, de abundantes riquezas, as mais variadas e sedutoras possíveis. São, entretanto, incivilizadas, indômitas e, por vezes, assustadoras.
— Tô entendendo.
— Agora imagine nossas tentativas de aproximação como as antigas naus espanholas e portuguesas dos séculos XVI e XVII tentando cruzar o oceano infinito à procura de bens necessários. Nossa conversa sendo a embarcação. É preciso deixá-la ágil, embora bem suprida. Deixá-la forte, mas com alguma fragilidade. Assim ela parte, segura diante do olho destreinado, mas claramente instável para os entendidos do assunto. Lançamo-las ao mar na esperança de chegar em terra e, na maior parte das vezes, naufragamos. Temos sucesso de vez em quando, porquanto somos exaustivamente insistentes.
— Hm…
— Conquistamos, então, a tão sonhada colônia. Nossa primeira atitude é livrá-la de seus habitantes incivilizados e de hábitos pouco cristãos, por isso proibimos nossas namoradas de usar roupas curtas, freqüentar eventos onde reina a devassidão e a promiscuidade, coisas assim.
— Certo.
— A partir daí, atraímos a confiança da população restante com badulaques e bugigangas de pouco valor, porém chamativas. Espelhinhos, colares e outras manufaturas de baixo custo. Distraímos sua atenção enquanto são evangelizados e submetidos à nossa vasta cultura.
— Verdade.
— Por fim, afastamos os possíveis invasores e declaramos nossa hegemonia sobre o território.
— Saquei.
— Até esse ponto, já sondamos todo o terreno, logicamente. Conhecemos suas reentrâncias, falhas geológicas e clima bem o suficiente para podermos trafegar por ali com relativa segurança.
— Fato.
— Começamos a explorar suas matérias-primas…
— Tá falando das filhas das tias delas?
— Não, meu confuso camarada. Falo de seus favores únicos, das coisas as quais, apesar de todo nosso avanço, não temos como nos auto-suprir, compreende?
— Ah, sim. Os chupiscos, as trepadas e tal.
— Sua falta de tato me constrange, caro troglodita, mas folgo em notar que entendes sutilezas.
— Certo. E depois?
— Depois apresentamos nosso novo território para as metrópoles aliadas. Damos aos dois a liberdade de estabelecer comércio apenas por nosso intermédio. O acesso irrestrito é nosso e somente nosso.
— Justo. E então?
— Bom, nesse ponto somos os senhores do castelo. Nossos soldados estão por ali, cuidando do território e prevenindo insurreições. Tudo o que temos a fazer é, como os monarcas que somos, deixar claro que, apesar da distância, estamos cientes de tudo o que se passa, ainda que não estejamos de fato.
— Só pra não fugir desse teu paralelo maluco, ficar com a sua namorada no aniversário dela não seria uma maneira de deixar claro que o imperador e as legiões estão bem, quero dizer, que a metrópole está atenta ao que se passa na colônia?
— Você se adianta, meu célere ouvinte. Quando nossa supremacia está finalmente estabelecida, temos que partir para novas terras. Ampliar o território. É possível tentar anexar áreas próximas, indo atrás de parentes e amigas delas, mas sabe-se que conflitos entre habitantes locais tornam quase impossível o sucesso em tal empreitada. O ideal é lançar ao mar as caravelas e aportar em novos costados.
— Ok. E em que ponto você está?
— Exatamente neste. No momento espero que minha nova colônia apareça. Meus navios já têm as velas enfunadas e as âncoras recolhidas. Só me falta estabelecer a rota.
— Hm.
— Estou considerando tomar posse dos territórios claudianos.
— Hein?
— Meu desmemoriado aprendiz, lembra-se da Claudinha, aquela mui simpática senhorita que trabalha na videolocadora perto da minha casa? Então. Soube que ela costuma freqüentar este pândego ambiente onde, agora, nos encontramos.
— Ah, sei. Mas acho que não é só ela, não.
— Como assim?
— Olha ali a Cristina chegando com um sujeito.
— Mas hein?!
— Pois é.
— Porra, o que esse cretino tá fazendo com a minha namorada?
— A mim faz parecer, estimado, atraiçoado, acornalhado camarada, que sua colônia encontrou um líder rebelde capaz de livrá-la do cruel jugo monárquico. Devo informá-lo que seus súditos, esta noite, estabelecerão comércio com outros mercados. Hurra! A Revolução triunfou! Bebamos a isso! Garçom, traz mais uma!
— Bah.
— E você fica muito chato quando bebe, diga-se de passagem.

Utopia DilucularWhere stories live. Discover now