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Outubro 2019

Eu contei toda história da perda do meu filho para Marsella. Sentados na mesa da cozinha -dessa vez com a María no meu colo- eu o contei detalhe por detalhe do parto cansativo e com final infeliz. O italiano com nome de cidade francesa prestou atenção cautelosamente no meu relato, idêntico a um policial durante um interrogatório. Seu olhar faz eu me sentir desconfortavelmente ingênua.
Algumas horas se passaram enquanto conversávamos fluidamente. Marsella é um homem interessante.
Ao cair da noite, ele foi embora e prometeu voltar em breve. Tentei disfarçar a vontade de vê-lo logo, no máximo até o fim de semana. As tardes sozinha com uma bebê de 6 meses são bem silenciosas.
Coloquei María para dormir em seu berço. Sua respiração flui continuamente. Eu saio de seu quarto e atravesso o corredor a caminho do meu. Entro na suíte e me jogo sobre os lenços de linho e pena de ganço. Cansada e estranhamente alegre, eu me dirijo até o banheiro e coloco uma camisola. Passo pelo meu closet e noto uma espécie de pote branco sobre a última prateleira. Me aproximo e pego o pote:
-Boa noite, querido -eu observo o pote de vidro e penso no seu conteúdo. Lembro da vida que foi reduzida a cinzas a 8 meses atrás- eu estou ficando doida, né? -obviamente, eu não obtenho resposta. Estico meus braços para alcançar a última prateleira e coloco o jarro no seu lugar. Abro a minha gaveta de joias e pego minha aliança. O item de ouro comprado a 18 anos atrás pelo meu marido me faz lacrimejar. A coloco no meu dedo anelar a aliança e a observo. Ela não ficaria tão larga se eu me alimentasse melhor, penso ao lembrar que já perdi todos os 9 quilos que eu ganhei na gravidez e muito mais. Minhas costelas estão ficando aparentes. As vezes sinto que a minha filha está me sugando.
Guardo o anel e me dirijo para meu quarto. Acordo no dia seguinte com o barulho da campainha.

Plano Paris *finalizada* 2020Where stories live. Discover now