Parte 1 - O isolamento

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Parte 1 

O isolamento


O mês de maio sempre foi sinônimo de férias para Mônica Trindade e o de 2020 não seria nenhum pouco diferente, pois ela e sua super companheira de viagem, mais conhecida como sua melhor amiga Renata, já estavam planejando aquilo fazia mais de oito meses.

Um Mochilão pela Ásia. 10 países em 30 dias. E tudo começaria na semana seguinte, conforme planejado.

Pena que naquela mesma semana foi decretado isolamento em São Paulo até o dia trinta e um de maio, ou seja, suas férias inteirinhas estavam contidas naquele período — a moça até tentou conversar com seu gestor para que ele falasse com o RH e tentasse remarcar tudo, porém já estava no sistema e era oficial, ela ficaria trinta dias trancafiada dentro do seu minúsculo apartamento.

Mônica trabalhava no setor de TI, como desenvolvedora de software de um aplicativo chamado MEscolhe, então o ambiente de trabalhar em casa ou passar horas na frente de uma tela de computador não lhe eram desconhecidos.

A premissa do aplicativo era simples: se você não sabia o que queria comer, beber, vestir, para onde ir ou até mesmo com quem sair, o aplicativo escolhia por você. Você cadastrava três opções, e ele fazia uma sequência de perguntas até que saísse um resultado. A verdade era que o algoritmo ainda estava em desenvolvimento, então a sua taxa de assertividade era de menos de quarenta porcento, porém, o que eles mais recebiam de retorno era "eu não sabia o que eu queria até que o aplicativo me deu uma resposta, então eu descobri que preferia outra coisa". Contanto que seus clientes estivessem felizes, ela estava feliz.

O maior impacto que ela percebeu em sua vida foram das coisas simples que ela nem cogitou que talvez importassem tanto. As compras online demoravam mais de sete dias úteis para chegar, a farmácia estava com o estoque reduzido, a feirinha que ela ia todo domingo havia anunciado que voltava em junho e, para a sua não tão grande surpresa, todos os seus vizinhos estavam na mesma situação que ela. Em casa. O dia inteiro.

E agora que todos estavam trancafiados no mesmo prédio fazia mais de uma semana, ela percebeu que realmente não conhecia ninguém ali de verdade pois o casal do 306 estava o tempo todo brigando — com direito a jogar pratos na parede —, a senhora do 504 adorava colocar ópera depois do almoço, o rapaz do 404 tinha um cachorro que mais latia do que fazia qualquer outra coisa e a garota do 605 estava começando uma reforma em seu apartamento. Em plena quarentena, tenha paciência.

Morando no 405, Mônica era telespectadora de todas as personas que habitavam naquele prédio, e ela não podia se quer abrir o seu notebook do trabalho para continuar depurando seu novo projeto, senão o RH descobriria e ela estava ferrada — em resumo, a culpa era toda do RH, certo?

Foi no oitavo dia de confinamento que as coisas ficaram relativamente estremecidas, pois, até aquele momento, as pessoas saíam dos seus apartamentos, usavam o fitness, tomavam sol na área comum e iam com suas crianças para o parquinho. Todavia no oitavo dia, a Thereza, que morava no 101 com o seu namorado, testou positivo e teve que ser levada às pressas para o hospital.

A partir daquele dia o isolamento não foi apenas dentro do prédio, foi dentro do seu apartamento. Ninguém poderia entrar ou sair do seu apartamento, pois o síndico decretou que o prédio precisava ser inteiramente higienizando para terem certeza de que ninguém mais seria contaminado.

Naquela tarde, ninguém fez um pio de barulho, como se todos estivessem apenas esperando o Fred, namorado da Thereza, informar qual o estado de saúde dela e se ela ficaria bem — e a demora por uma notícia preocupava a todos de maneira distintas, claro.

Mônica pegou seu celular, fitando as mensagens que sua mãe estava mandando no grupo da família, porém ela estava dividida entre o que responder. Desde quando um simples: "Oi filha, tudo bem por aí?" poderia ser tão complexo? Ela poderia mentir, dizer que estava tudo bem e que quando a quarentena acabasse, elas poderiam voltar a se encontrar, contudo a moça não queria não contar sobre a situação atual, pois se sua mãe descobrisse de outra maneira, ficaria extremamente chateada. Pelo menos ela estava na casa de praia do seu irmão, Adão — sim, há há hás inclusos pela criatividade —, então ela não estava sozinha e isso era o que mais lhe importava.

— Oi mãe, tudo certo por aqui, tirando o fato de eu estar comendo comida congelada faz mais de uma semana, então possivelmente posso ter uma mutação até o final da quarentena. Você tem algum filme ou livro para me indicar? Eu estou totalmente sem ideias e preciso me ocupar. E você? Está bem? O Adão está cuidando bem de você? Beijo nele. Se cuidem! — ela gravou o áudio e mandou, fazendo de tudo para que sua voz soasse feliz e animada e positiva.

Ela tinha que manter a calma.

A resposta de sua mãe foi quase imediata.

"Dirty Dancing, o primeiro filme que eu assisti com o seu pai", ela digitou, fazendo com que o rosto de Mônica caísse apenas um pouco com aquilo. Fazia três anos que ele havia falecido e ninguém tocava direito no assunto, como se do dia para noite, ele tivesse sido excluído dos tópicos de conversa da família.

A moça pegou o seu notebook pessoal e começou a pesquisar em todos os sites que conhecia, porém, pela sua sorte, ele estava brilhando nas recomendações do Netflix. Pronto, já tinha o filme da sua noite.

Ela mordeu seus lábios, pensativa, enquanto sentia uma pequena falta do latido do 404 ou dos pratos do 306 ou da música clássica do 504 — não, da reforma ela não sentia falta nenhuma — e percebeu que ela tinha mais de cinco horas antes do pôr-do-sol, então ela possuía cinco horas para encontrar uma maneira de projetar o filme no paredão branco que era os fundos do prédio vizinho ao seu.


Notinhas:

Oi pessoal, tudo bem? Esta história consiste tem três partes: O isolamento, O filme e ... surpresas estão por vir!

Espero que gostem, pois mesmo sendo bem curtinha, eu realmente achei que a história tinha uma pegada super gostosa de se ler.

Vocês acham que a ideia da Mônica vai dar certo? Vamos descobrir daqui a pouco.

Obrigada por lerem <3

Até daqui a pouco.

Quarentena - O FilmeWhere stories live. Discover now