Última carta

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Demarcando em meu interior está a mais complexa dor que já um dia senti. A dor tem um nome, uma cor de cabelo e um par de olhos que me fisgou sem pesar. O ciclo eterno se expande, os dias, meses e anos passam sem que nada mude. O que eu devo aprender? Quanto tempo mais devo me lamentar?

Lembranças diversas me preenchem e arranca-me suspiros e lágrimas, e mais uma vez procuro pelas ruas e entre pessoas o seu rosto sério e comprometido. E quando a vejo tão presente, tão palpável - às vezes tão próxima que seria possível tocá-la a dois passos de distância - mais uma vez a lamentação e o desejo invadem meu ser e pela milésima vez meu coração se acelera e dilacera. Quando ela desaparece, é como se parte de mim fosse arrancada sem misericórdia. Um castigo. Abstinência. Não sei mais como curar esta ferida. Não sei mais onde encontrar respostas para as perguntas que me despertam - por quê?

Diga-me, ouça-me, me responda: quanto tempo mais terei que aguentar? Quanto tempo mais te verei tão próxima, e não poder ao menos saber como é a textura de sua pele ou o seu cheiro? Quanto tempo mais terei que sonhar com você, clamando por sua amizade, onde meu maior desejo é que me veja com bons olhos? Diga-me até quando terei que aguentar tanta distância, frieza e desconhecimento diante de ti? Fale-me por que me olhou com tanta intensidade naquela tarde que aproximava-se do outono, oferecendo-se para mergulhar em seu próprio olhar, só para depois disso fazer meu mundo cair. Achou mesmo que toda mulher que olha-te deseja ser sua inimiga? Pois lhe digo: às vezes você só roubou-lhe o coração. Coração este que pegou sem esforço e colocou-o à mercê naquelas prateleiras, como qualquer outra fruta que um dia apodrecerá se não forem ingeridas ou cuidadas. Deixou-o ali, o único lugar que não consigo alcançar, em meio a maçãs vermelhas, a debochar de minha estranheza diante do olhar.

Apenas diga-me o que fazer que eu devolverei a mim o meu direito de tê-lo curado em minhas mãos.

Espelhos de AfroditeWhere stories live. Discover now