Capítulo 3

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Minha mãe estacionou o carro na garagem e abri a porta com sacolas de compras nos braços. Alguns sons que vinham de dentro da casa sinalizaram que meu padrasto estava lá dentro.

Esplendor não era uma cidade grande nem pequena; havia uma certa tranquilidade, mas com precauções. Todas as casas do meu bairro possuíam garagens fechadas e sistemas de segurança. Minha mãe deixou o portão de nossa garagem aberto para que Paul pudesse usar o carro logo em seguida.

- Deixei as chaves na ignição, amor! - Ela gritou ao fechar a porta do carro.

Fomos em direção à porta que dava para a cozinha e Paul estava lá, o motivo de toda a nossa mudança para o Sul. Ele trabalhava como designer gráfico da grande agência de marketing Fire, com sede em New York, até receber o convite para se tornar o Diretor-Chefe da filial que estava para abrir no Brasil. Ele não foi o primeiro a receber o convite, para falar a verdade, mas nenhum dos seus colegas teve coragem de sair dos Estados Unidos para ter um futuro incerto em uma empresa recém-criada no Brasil. Após os seis meses de treinamento com alguns líderes em São Paulo, o Rio Grande do Sul se tornou sua residência permanente.

Paul foi o único louco de toda a equipe a se aventurar nisso, e ainda levou minha mãe e eu nessa loucura com ele.

Meu padrasto estava com uma calça jeans e blusa social com as mangas para cima, o que me fez concluir que ele não teria uma reunião. Talvez isso fosse um ponto positivo naquele dia: ele poderia atrasar alguns minutos para me ouvir.

— Ei, querida! — O homem olhou para minha mãe e se aproximou para beijá-la. Logo em seguida, foi em minha direção. — E aí, princesa! Nem consegui falar com você ainda! Como foi no workshop?

Antes que eu pudesse abrir a boca para falar algo, minha mãe tomou a frente.

— Charlie quer falar com a gente sobre isso.

— Sério? Por quê? — Ele colocou a mão em meu ombro.

Meu primeiro pensamento foi o de reclamar com minha mãe ao introduzir o assunto antes de mim. O segundo, foi de que eu devia estar pálido perante Paul, pois ele franziu as sobrancelhas e piscou os olhos freneticamente.

— O que houve, Charlie?

— Podem se sentar? — Respondi rápido e apontei para a mesa de jantar de vidro que ficava no centro da cozinha. Os dois se entreolharam e andaram calmamente até às cadeiras estofadas.

Senti um suor frio incomodar minhas mãos e procurei as palavras certas em minha mente.

— Então...

Assim que ambos se sentaram lado a lado, me coloquei na cadeira à frente deles. Apenas a mesa de vidro nos separava. Nervoso, comecei a mexer na borda da toalha de crochê azul que enfeitava o móvel.

— Pode falar o que quiser, filha.

Paul me encarou com seus olhos castanhos e me senti estranho. Ele sempre me chamava dessa forma: filha, garotinha, princesa. Minha mãe dizia que o sonho dele era ter uma menina e que ele se via como o meu pai biológico.

— Eu... Percebi algumas coisas nas palestras de hoje... Era sobre Publicidade, que, bem, é o meu curso, por isso eu estava lá. Bom...

Minha mãe se inclinou na cadeira, parecia prestar atenção em cada palavra, ou melhor, sílaba. Já Paul colocou uma das mãos em seu queixo recém-barbeado.

— Eu... Eu não quero que pensem algo errado de mim. — Tentei falar de uma vez, mas as palavras não conseguiam sair da minha boca.

Senti a garganta doer da mesma forma que ocorria quando eu queria chorar. Eu odiava essa capacidade de chorar por tudo, era sensível demais.

⚧ | Azul é a Cor do SilêncioМесто, где живут истории. Откройте их для себя